sexta-feira, 31 de agosto de 2018

[0030] Ruy Knopfli, a voz da desilusão

Rui Knopli (Rui Manuel Correia Knopli) nasceu em Inhambane (Moçambique) em 1932 e faleceu em Portugal (Lisboa) em 1997, sendo sepultado em Vila Viçosa (a escassos metros de Florbela Espanca). Foi um poeta, jornalista e crítico literário e de cinema português. Estudou na África do Sul e fundou com Grabato Dias os cadernos de poesia “Caliban”. Teve que abandonar Moçambique com a descolonização (1975) mas sempre assumiu a sua qualidade de africano, ainda que desiludido com a evolução política do seu país de origem. Trabalhou na Embaixada de Portugal em Londres.  Em vida publicou “O País dos Outros”, “Reino Submarino”, “Máquina de Areia”, “Mangas Verdes com Sal”, “ O Escriba Acocorado”, “Memória Consentida” e “O Corpo de Atena”. Postumamente foram publicados além da sua obra poética, as antologias “Uso Particular” e “Nada Tem Já Encanto”. Em 1984 recebeu o Prémio de Poesia do Pen Clube. Registamos dois dos seus poemas:


CERTIDÃO DE ÓBITO

Um tempo de lanças nuas
espera por nós, riso
cruel de maxilas em riste.
Enquanto a vida desabrocha
tenra e lépida,
fruto e flor na ânsia secular
de quem tanto esperou em vão.
Para nós, todavia,
o tempo é de lanças impiedosas,
de lâminas em cuja brancura
se adivinha já um indício
do nosso sangue. Deste tempo
sobrou-nos a acerado das lanças:
este o quinhão ácido que nos coube
e que mastigamos resignadamente.

Entretanto, num levedar de ternura,
frágil e muito bela, a vida desponta
em negra polpa de outros dedos.
Para nós, o prémio do aço,
a estrela da pólvora, a comenda do fogo.
Para nós, a consolação do sorriso triste
e da amargura sabida. Falamo-nos
e nas palavras mais comuns
há rituais de despedida. Falamos
e as palavras que dizemos
dizem adeus.


TESTAMENTO

Se por acaso morrer durante o sono
não quero que te preocupes inutilmente.
Será apenas uma noite sucedendo-se
a outra noite interminavelmente.

Se a doença me tolher na cama
e a morte aí me for buscar,
beija, Amor, com a força de quem ama,
estes olhos cansados, no último instante.

Se, pela triste monotonia do entardecer,
me encontrarem estendido e morto,
quero que me venhas ver
e tocar o frio sangue do corpo.

Se, pelo contrário, morrer na guerra
e fica perdido no gelo de qualquer Coreia,
quero que saibas, Amor, quero que saibas,
pelo cérebro rebentado, pela seca veia

pela pólvora e pelas balas entranhadas
na dura carne gelada,
que morri sim, que não repito,
mas ecoo inteiro na força do meu grito.

[0029] Noémia de Sousa, "Mãe" da poesia moçambicana

Noémia de Sousa (Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares) nasceu na Catembe, do outro lado da baía do Espírito Santo, e frente do actual Maputo, em 1926, e faleceu em Portugal (Cascais) em 2002. Foi poetisa, tradutora, jornalista e arrojada militante política anticolonialista e antifascista. Considerada a “mãe dos poetas moçambicanos”, na verdade grande parte da poesia de Moçambique emerge do núcleo constituído em sua volta. Estudou no Brasil e esteve exilada em Paris para escapar à repressão salazarista, escrevendo então sob o pseudónimo de Vera Micaia. Deixou importante obra coligida sob o título “Sangue Negro”. Regista-se aqui um seu poema:


MAGAÍÇA

A manhã azul e ouro dos folhetos de propaganda
engoliu o mamparra,
entontecido todo pela algazarra
incompreensível dos brancos da estação
e pelo resfolegar trepidante dos comboios.
Tragou seus olhos redondos de pasmo,
seu coração apertado na angústia do desconhecido,
sua trouxa de farrapos
carregando a ânsia enorme, tecida
de sonhos insatisfeitos do mamparra.

E um dia
o comboio voltou arfando, arfando…
oh, nhanisse, voltou
e com ele, magaíça
de sobretudo, cachecol e meia listrada
e um ser deslocado
embrulhado em ridículo.

Às costas – ah, onde te ficou a trouxa dos sonhos, magaíça?
Trazes as malas cheias do falso brilho
do resto da falsa civilização do compoud do Rand.
E na mão,
magaíça atordoado acendeu o candeeiro
à cata das ilusões perdidas,
da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
lá nas minas do Jone…

A mocidade e a saúde,
as ilusões perdidas
que brilharão como astros no decote de qualquer lady
nas noites deslumbrantes de qualquer City.

[0028] Angola: a poesia de Manuel Rui

Manuel Rui (Manuel Rui Alves Monteiro), nasceu no Huambo em 1941. É poeta, dramaturgo, novelista e ex-jornalista. Estudou em Portugal (Coimbra), onde praticou a advocacia. Com a independência de Angola, regressou ao seu país onde foi Ministro da Informação e, depois, também seu representante na ONU. Membro fundador da União de Escritores Angolanos, é autor da letra do hino de Angola. De sua autoria, ficam aqui dois poemas


NÃO VALE A PENA PISAR

O capim não foi plantado
nem tratado,
e cresceu. É força
tudo força
que vem da força da terra.
Mas o capi está a arder
e a força que vem da terra
com a pujança da queimada
parece desaparecer.
Mas não! Basta a primeira chuvada
para o capim reviver. 


O JOGO 
Que jogo é este
o de saber nos pés
só a espuma
de imensas madrugadas.

Que jogo é este
o de chorar os destroços
de um navio que chegou a navegar
ou as asas de uma gaivota
apodrecida que voou

Sem me chorar

Que jogo é este
o de esperar
um rebentar da onda
sem me estender
sem me estender pelos teus túneis.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

[0027] A poesia de Fernando Fitas


Alentejano (de Campo Maior), Fernando Fitas é poeta e foi jornalista, com os Prémios Agostinho Neto (1999), Prémio de Poesia Cidade de Moura (1999), Prémio Raúl de Carvalho (2000), Prémio de Ficção e Poesia de Almada (2013 e 2014) e Prémio de Poesia Cidade Ourense (Galiza, Espanha, 2017). Companheiro dos cantadores da resistência, registamos aqui três poemas inéditos seus:


A MEMÓRIA FUGIU-TE 
A Alexandre Castanheira, amigo e camarada de várias jornadas

A memória fugiu-te e tu não deste conta,
ave desabitada no coração da árvore
sem sitio onde estender o voo de suas asas.
Companheiro de ofício, que fizeste às palavras,
essa ilha sem água que morava no olhar
entregando aos alunos um mar de eternidades?
Não te exiles ainda no lago do vazio,
onde as chuvas aguardam
a chegado dos barcos que não sabem de rios.
Lembra-te que anda um verso dançado junto aos lábios
que exige o declames.
Há um poema à espera do eclodir da festa
e flores que ao silêncio vão extrair seu perfume.
Fala-me de um país disponível à luz
que tece em suas mãos o enxoval de ausências
bordando sobre a pele recordações e afecto.


A REVOLTA ENTRE OS DEDOS

Espectadores da morte, ultrapassaremos as fronteiras do medo,
convictos de que as intifadas nascem subitamente  entre a ponta dos dedos
afirmando dizeres que perderam o nome,
porque o que nos usurpam jamais pode ter nome,
a não ser que se chame barbárie ou genocídio
de alguém que apenas quer a pátria de uma pátria.
Ninguém pode encerrar o lume numa lâmpada.
Da mesma forma que ninguém pode expulsar-nos
do chão que nos pertence.
Por isso aqui estaremos. Por isso é que aqui estamos.
Não morremos ainda nas pedras que lançamos
e contudo sabemos  que nunca saberemos
o tempo que nos resta,
as lutas que nos esperam,
até que a luz se acenda sobre Jerusalém e o Monte Sinai.


QUOTIDIANO

Quando um cão nos cai em cima, uma matilha late;
do céu desce a sombra de um ladrar ferrando- nos a carne
e o ganir das dentadas afugentando a(s) defesa(s) da presa.
Então, como escapar ao rosnar que os ossos mais incitam
no focinho de canídeos tão sedentos de sangue?
Talvez, também, mordê-los. Até que os deuses venham,
inevitavelmente, acudir a seus uivos.

[0026] José Craveirinha, o poeta maior de Moçambique

José João Craveirinha, nasceu na antiga Lourenço Marques em 1922, filho de pai algarvio e mãe ronga, e faleceu em Joanesburgo, em 2003. Voz fundamental da poesia moçambicana, foi Prémio Camões em 1991. Ex-jornalista, esteve quatro anos preso pelo colonialismo português, de 1965 a 1969. Usou diversos pseudónimos -: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa. Foi presidente da Associação Africana e primeiro presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos, entre 1982 e 1987. Recordamo-lo com três poemas:


OUTRA BELEZA

Uns exibem insólitos perfis
de outra beleza
maquilhada
no mato

ou
do invés
ou de frente
perfeitos modelos de caveira
desfilam sem nariz


GRITO NEGRO

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo co a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão


AFORISMO

Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.

Estávamos iguais
com duas diferenças:

Não era interrogada
e por descuido podiam pisá-la.

Mas os dois intencionalmente
podia pôr-nos de rasto
mas não podiam
ajoelhar-nos.

[0025] Lembrando Maria Almira Medina, a "Menina Girassol"

Injustamente hoje esquecida, Maria Almira Medina foi (e é) considerada “figura incontornável”.

Poeta, ceramista, jornalista, professora, a “Menina Girassol” (título de um dos seus livros) faleceu com 95 anos mas foi eternamente jovem.

A sua poesia fica marcada pela sua leveza, como o demonstra um dos seus poemas inéditos.

Foi directora do “Jornal de Sintra”, fundado por seu pai e de que durante anos foi directora do seu Suplemento Cultural, na companhia de Antónia Gadanha e Nuno Rebocho.


O CHALET DA CONDESSA, NUMA MANHÃ DE MARÇO

Pés vegetais descobriram caminhos
longitudinais.
Logo troncos arbóreos verticalizam os sonhos
                da navegação em verde
na boca de outras índias mais.
Depois
os fetos
tais desenhos de mãos e dedos
a acariciar dolentes os penedos
linguajaram falas alegrias mágoas
num diálogo poliglota banhado de águas.
então as flores da cameleira rebentaram
                em notas musicais
o pitósporo odorizou a primavera inteira
o junípero a tília a magnólia e o
        eucalipto “obliqua” marcaram uma
                etapa de amor
uma chegada

O farol da chegada era a casa
com os seus olhos de lume e boca incendiada.

[0024] Uma poesia densa: Luís Filipe Sarmento

Luís Filipe Sarmento, homem multifacetado, é escritor, tradutor, realizador de televisão, jornalista, editor, realizador de cinema e vídeo e professor de Escrita Criativa. Produziu e realizou a primeira experiência de Videolivro feita em Portugal no programa Acontece para a RTP (Radiotelevisão Portuguesa), durante sete anos. Membro do International P.E.N e do Club.Membro da Associação Portuguesa de Escritores, foi Coordenador Internacional da Organization Mondial de Poétes (1994-1995). É ainda membro do International Comite of World Congress of Poets e foi também presidente da Associação Ibero-Americana de Escritores (1999-2000). Da sua já extensa e densa obra, publicamos três poemas do seu original ainda inédito “NKN”.


1.

Da metafórica mãe à obra magna: pensa a matéria obscura
e, revelando-se, a ignição é-lhe notícia e reflecte. Este é o princípio:
intui. Não há redondez no caos e se há é um acaso da fricção:
imperfeitas esferas à deriva na alegoria do sangue primevo.
A realidade do fenómeno, a transparência em si, a primeira letra,
a sensação histórica da veia, o plasma ao olhar abismado
do primeiro observador, anónimo, de mistérios. Mutila a geografia
do pensamento, o pretexto, e avalia a substância, questionando-se.
A expressão dos desertos opacos como exclamação da dúvida
entre pontos que brilham mas que se desconhecem.
Eleva-se e esquiva-se ao conflito dos duendes que se antagonizam;
as formas que preexistem dar-lhe-ão seguramente recursos.
Pensa: há um método que é e não é; o mecanismo imperfeito
do conhecimento e a mecânica da contradição. Interroga-se.
O que há em si é uma representação e de si a experiência.
Inscreveu crenças, duvidou da sua estrutura, analisou fenómenos.
Verifica que os sistemas interagem, destruindo-se;
observa, descarta o que é infundamentado, e busca um cardápio
que seja a colecção pura da obra que nos constitui o pensamento.
O que se segue é a arquitectura das ideias.
O registo do obsoleto.


2.

Não resolve a paisagem com o olhar: é muita matemática
colorida. Questiona a natureza, senta-se e observa a ciência.
Conhece-lhe as equações, os projectos, algumas ideias.
Desconhece as respostas e espera, olhando-a.
Sente-se um espião contra deus a olho nu, espia a organização
natural, forçando-a à exibição das soluções.
As primeiras gotas de néctar descem-lhe do cérebro à garganta
e associa a cada resposta um elixir. A observação da ciência
desenha-lhe no palato um poliedro de sabores.
A exuberância da geometria do gosto vai brilhando timidamente
como um constelação longínqua no seu universo cerebral.
As nuvens instigam-no e reconhece nas suas formas efémeras
Arquimedes que, na dissipação das gotas, lhe sorri.    

3.

A ideia é uma experiência de prazer, não um dogma divino,
uma viragem na tristeza, na exaustão: o colapso da desistência.
A sua estrutura é edificada a partir da razão de si, explicita-se
na exuberância do objecto que estimula os sentidos.
O deleite de quem observa é a volúpia de quem cria,
a impressão do observador acolhe o objecto que se transmuda.
Produz fenómenos, múltiplas sensações, leituras e perspectivas
do que em si se deu à elaboração do exterior.
Entendimento e sensibilidade confraternizam
no deleite da observação que à observação do criador
lhe produz uma nova experiência, estimulando-o
na criação de experiências de prazeres.
O espaço geométrico espiritualiza-se com a aritmética do /tempo,
mitifica-se e o que encerra oculta-se na metáfora.
O que transparece pode não ser o que na origem é.  

[0023] Recordando Armando Ventura Ferreira

Crítico e poeta nascido em 1920, em Olhão, e falecido em 1987 em Lisboa.

Armando Ventura Ferreira foi poeta e crítico. Autor de “Astronave” (merecedor do Prémio de Poesia instituído pelos Suplementos Literários da Imprensa Regional de 1963) e de “Carro de Apoio”, foi um dos criadores do movimento poético des-integracionista.

De “Astronave”, fica um dos seus poemas:

V

Ficaram na terra a chamar-me herói
mas eu sigo pelo espaço, angustiado
procuro um refúgio onde não o há,
pois onde for dar, serei sempre eu.
Coroas de louros e cantam nos jornais,
rei do espaço me chamam,
ah, mas quem me dera o tanque onde me banhava,
que me dera agarrar os seios da moça,
quem me dera a praia onde, nu,
me torrava ao sol o dia inteiro!
Si, quem me dera o sol e o corpo negro
no fim do verão!
Mas cá vou indo,
desmentindo os mitos do céu finito
para quê, sei lá bem,
mas vou e os planetas passam
por mim, enquanto os sóis da memória me abrasam.
Estou agora muito quieto
à espera do choque,
sei que vencerei e direi à terra
onde está o ponto transitório
com que sonha.
Mas entretanto,
ah, entretanto,
sinto falta dum corpo
ao lado do meu,
sinto falta de laranjas e de sol,
sinto falta de lores
de cravos e de rosas,
sinto falta do meu espasmo violento
derramando o meu ser dentro do teu.
Mas não me lamento, cá vou, é preciso ir
é preciso conquistar mais céu e mais espaço e entrar, tremendo de
medo, em planetas ávidos.
Ah, mas a saudade de um pouco de água,
uma água de fonte fresca,
a saudade dum amor ardente
que me detenha, um pouco, longinquamente,
na subida gloriosa e amarga
do infinito.

[0022] O humor de José Fanha

José Fanha (José Manuel Krusse Fanha Vicente), escritor de literatura infantil e poeta, guionista e dramaturgo. É arquitecto e foi jornalista e professor. Destacado declamador, já participou em milhares de sessões culturais, tem dirigido oficinas de escrita e de poesia. Autor de "Cantigas da dúvida e do perguntar" (1970), “Olho por olho” (1976), "Busca" (1977), "Cartas de marear" (1985), "O riso das aves" (1987), "Breve tratado das coisas da arte e do amor" (1995), "Eu sou português aqui" (1995), "Elogio dos peixes das pedras e dos simples" (1999), "Tempo azul" (2003), "Poemas da linha da frente: a guerra" em conjunto com José Jorge Letria(2003), "Poesia" (2012), "Francisco", com colagens de João Abel Manta (2015). A sua poesia é ágil e, em geral, humorada.

O CROCODILO

Hoje apetecia-me pôr as patas em cima do balcão
da pastelaria do O’Neill
as patas de um cão
de um gato
de um animal maior:
um crocodilo!

Um crocodilo que devorasse todas as bolas de Berlim
os éclairs
os jesuítas
e a rapariga gorda da mesa do canto
que embora de difícil digestão
também tem o seu valor
já vai no 3º ano do curso de Comunicação Social
se bem que preferisse casar com um tipo rico
e por isso já tem unhas de silicone
com estrelinhas
convém referir
prateadas na ponta.

Um crocodilo!
As patas de um crocodilo em cima do balcão da pastelaria
O crocodilo inteiro
caminhando lentamente
por cima do balcão
com o seu cheiro a selva apodrecida
e a mandíbula escancarada e pronta a ferrar!

E num instante
ZÁS
lá vai o braço do sr. Engenheiro
que tinha pedido um garoto com pressa
e ZÁS
o dedinho ao alto da senhora
que estava delicadamente
a tomar uma tisana
e ZÁS
talvez pudesse dar também uma dentada
nessa bola de queijo mole que é o mundo
a sociedade de informação
a de desinformação
o capitalismo neo-liberal
a bolsa de Nova York
e a de Tóquio
os despedimentos em massa
e os que os ordenam.

Um crocodilo com asas ou sem asas
que avance lentamente
percebendo o por dentro e o por fora de todas as
coisas
e devore apenas o por fora de quem só tem por fora
e guarde o mistério do por dentro
quer dizer
a noz da literatura,
o banho de Arquimedes
a pedra filosofal de Newton
o verso de Borges
o mistério do lado de dentro
de todas as coisas
onde a luz vagueia
procurando iluminar
a verdade imaterial de toda a grande existência.

Um crocodilo!
Um que tivesse entrado na pastelaria do O’Neill
apenas para lanchar
e deixasse um buraco negro exposto ao sol
uma zona altamente bi-polar onde a borboleta
do discurso
voasse livremente
apenas pelo prazer
de fazer acontecer um tigre chamado Jorge!

[0021] Álvaro Cunqueiro e a poesia galega actual

Álvaro Cunqueiro Mora, uma das referências da literatura galega do século XX, nasceu em Mondoñedo em 1911 e faleceu em Vigo, em 1981.

Poeta, novelista, dramaturgo, jornalista a gastrónomo, apoiou os republicanos durante a Guerra Civil de Espanha. Quando esta terminou, com a vitória franquista, teve que se esconder, vivendo uma semi-clandestinidade. Da sua vasta obra, grande em galego, um poema:

TAMBÉM O MAR, HOJE

Também o mar, hoje
tem a alma plena de maturidade.
Se o escuto, a adolescência
na transparência do ar
enche-se de fragmentos de vésperas
e de intactas navegações obscuras.
Assim. Mais além. Agora há sombra:
Não te dói o canto
- morna redondeza do beijo preciso –
do sol na sombra?

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

[0020] Rui Costa, poeta a não esquecer

Rui Filipe Morais Aguiar da Costa, conhecido simplesmente por Rui Costa, pereceu em Janeiro de 2012 nas águas do rio Douro (ignora-se o que aconteceu: acidente ou suicídio?). Nasceu em 1973. Advogado e poeta, recebeu os Prémios Albufeira de Literatura e Daniel Faria de 2005. Da sua obra (poesia, teatro e romance) destacam-se “A Nuvem Prateada das Pessoas Graves”, “O Pequeno-Almoço de Carla Bruni”, “As Limitações do Amor são Infinitas”. De linguagem metaforicamente rica, o seu desassossegado espírito traduzia-se numa escrita que, nas suas palavras, punha as “coisas fora do lugar”. Aqui o recordamos com dois dos seus poemas:

J.

Na bicicleta tão pequena tu eras grande
demais. Saltando muros, levantando a
roda, até os meus tios vinham ver-te
às voltas no terreiro de asas nas rodas
e jeito tão azul. Mas um dia
ganhei-te na corrida. Tu sorriste,
deste-me piratas e eu nunca soube bem porquê

Mas não foi por causa disso que morreste.
Um dia de manhã os teus pés parados sem saber.
Morreste nesse dia e eu nem sequer
chorei. Não é preciso, amigo.
Chegaste primeiro desta vez. És o maior:

A morte é uma bicicleta, tenho
a certeza disso.


A selva é redonda

Os macacos comem bananas porque
era a fruta que tinham mais à mão.
Se tivessem à mão morangos, os
macacos comeriam na mesma bananas
porque os morangos são muito difíceis de
descascar. As bananas são comidas por
macacos porque são os animais com mais
mãos que têm ali à mão. As bananas não
têm  mãos mas têm casca, que é uma espécie
de mão à volta da banana. As bananas prefe-
riam ter mãos mas saiu-lhes antes casca.
Ser casca não deve ser fácil, passar a vida
a ser deitado fora. Os árbitros de futebol
têm duas mãos, uma para cada cartão.
Os macacos também arbitram as bananas
comendo-as. Os macacos não mostram
os cartões às esposas. Preferem seduzi-las
usando a inteligência. Não sei como vim
parar à selva. Talvez tenha corrido demais
atrás da bola.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

[0019] Gloria Gabuardi e a poesia da Nicarágua

Gloria Gabuardi é uma poetisa nicaraguense, secretária-executiva do Festival de Poesia de Granada, cidade do seu país, fundadora do Associação Nicaraguense de Escritoras e também artista plástica. Nasceu em Manágua em 1945. Formada em Direito, foi assessora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Nacional nicaraguense da década de noventa. Ganhou o Prémio Ricardo Morales em 1982. Da sua lírica eivada de um certo surrealismo, traduzo um poema sobre os seus anjos e demónios e protelo para próxima oportunidade um poema dedicado a seu pai, diversas vezes preso pela ditadura somozista e sujeito às mais violentas torturas. Gabuardi é uma das vozes libertárias que se erguem para além das ilusões sandinistas.

OS MEUS ANJOS E OS MEUS DEMÓNIOS

Tenho sonhos azuis e de paraísos
sonhos com pequenas caixas de música
com cofres e barquitos solitários
com sombras de figurinhas de animais
e com rostos aguçados e corpos que rodam no vazio.
Aí enterrei a noite e os esconjuros
desbaratei a solidão
com os anjos e demónios
que se levantam entre rasgos de luzes
e voam secretamente com música de Bach.
Daí saem fantasmas brancos e púrpuras
ébrios de lua e com flores roxas
ansiosos por galopar a noite e as estrelas
de saltar à corda
o mar da inconsciência.
Nas rendas da minha alma guardo esses sonhos
escondo o silêncio e afundo-o nos meus punhos
abro nos plainos as portas da minha alma
as feridas dos girassóis
desperto o corpo dormido
retomo o aproveitamento da liberdade
a passagem da vida pela minha porta
à luz da lua em seu quarto minguante.

[0018] A poesia da colombiana Jenny Bernal

Jenny Bernal é uma poetisa colombiana (nasceu em 1987), editora das revistas "Contestarte" e "La raiz invertida".

Tem-se destacado como animadora e gestora cultural.

A sua poesia emerge do quotidiano que lhe bate à porta.

A CASA

Bem-vindo a esta casa
a sua casa
aqui você respira o frio fel
dessa respiração ausente.
Bem-vindo a esta casa
de raiva e lágrimas
sente-se onde seus passos se esgotam
onde a sua pele seca,
a casa mudou um pouco
- você perdoará -
mas evitei pintá-lo
para que as gretas do tempo
lhe deem um pouco daquela nuance familiar.
É a mesma casa, não se assuste
a mesma que construímos há tempo
esperando estar sózinha o suficiente
para viver nela.

[0017] Raul Zurita: a boa poesia chilena

Raul Zurita – como Vicente Huidobro, Nicanor Parra, Gabriela Mistral ou Pablo Neruda – é uma das maiores vozes da poesia chilena. Com uma poética culta e difícil, onde os rasgos surrealizantes vão despontando aqui e ali, Zurita foi Prémio Pablo Neruda e Prémio Nacional da Literatura no ano 2000. Politicamente de “esquerda”, como o é a melhor literatura chilena, nasceu em Santiago do Chile em 1950. Preso durante a ditadura de Pinochet, foi terrivelmente torturado. Neste poema, a Quinta Sinfonia de Ludwig von Beethoven casa-se com a expressão poética e a luta política que ele assume.

A QUINTA

Já alguma vez escutaram a Quinta do destino
tocar nesses cumes?
Árida soando como soam as inaudíveis
montanhas
que avançam como soam as vazias planuras
do mar
como soam as nuvens movendo-se
E era a Quinta sem notas sem sons como nuvens
desprendendo-se explica LVB agitando os seus braços
como se agitam os prisioneiros sob os choques
elétricos Mau tu escutas-te? perguntamos-lhe
vendo-o a dirigir velozmente os cumes do país
assentado enlouquecido já quase de joelhos como
um prisioneiro que se vai dobrando ao seu des

[0016] Brasil: Ronaldo Werneck

Nascido em Cataguases, Minas Gerais, Ronaldo Werneck é homem dos sete ofícios: jornalista, cinéfilo, cronista e ensaísta, tradutor e crítico de cinema e de artes plásticas, cineasta, mas sobretudo POETA (e dos bons). 

É frequente vê-lo por aí, que não gosta de estar ancorado. Para o distinguir do “outro”, chama-lhe Ronaldinho Mineirão. Traz do neo-concretismo muito do seu estro. A sua poesia é para saborear, como esta:

QUATRO DA MANHÃ


há ainda restos de noite
meia lua que decresce
e agoniza no céu da varanda
uma lua esquálida pendurada na escuridão
há uma lua que agoniza
e faz-se um véu na noite
e faz frio
e são quatro
da noite-manhã
e faz frio de morte
na antemanhã
e
há um amigo a morrer
no claro-escuro da UTI
entre apagados sóis
lençóis soluços
um amigo
a morrer e nada mais
há uma lua plantada no céu
meia lua que teima
em não sumir
há uma manhã
que teima
em não nascer
há passos que passam
no silêncio da madrugada
passos que vão do nada
a lugar nenhum
há um medo antigo
da noite
de seus mistérios
de nada de nada de nada mais
há um frio na noite
onde
faz frio
frio
de morte
e nada e nada e nada mais

[0015] Uma voz de Angola: Lopito Feijóo


Lopito Feijóo é uma das vozes que marcam a poesia angolana. 

Nasceu em Lombo (Malanje) e integrou a Brigada Jovem da Literatura. 

A sua poesia constrói-se a partir da realidade que o envolve, com uma linguagem directa, capaz por isso de facilmente chegar a um largo leque de leitores.



POEMA PRIMEIRO DA CAUSA

Não importa a cor não importa a dor
– viva a maciez do oiro.
Não importa a voz não importa a foz
– viva o caudal do riso.
Não importa o berço não importa a bênção
– viva a escavação do incauto.
(Extrair do humano o jorro bicôncavo do bicho-da-seda.
Assumir a sede de um outro irmão. Canalizar o milho
Entre nós abundante reconduzindo a lavoura à idade leal)
Não importa a malha não importa a falha
– importa a função do lema.
Não importa o galardão não importa a geração:
– importa a assumpção da causa. ÁFRICA!

[0014] Zurita Estrela: a nova geração do Equador


Christian Zurita Estrella é um poeta equatoriano, Prémio Nacional de Poesia Paralelo Cero, 2018. 


É a nova geração que desponta no Equador ganhando um novo modo de dizer as coisas e de as sentir. 

A sua imagética faz-se com palavras simples, construindo uma inesperada racionalidade que, por vezes raia o absurdo.



PRIORIDADES

Vi chorar os porcos
banhando-se com terra.
Quem desde o seu ninho escuta
o diálogo dos pássaros
de tempos a tempos
as formigas levam-lhe as palavra,
deixam-nas
na letargia da tartaruga,
injetam-nas
nos coelhos e na sua lascívia,
abandonam-nas à sua sorte
sobre o plancton.
A raposa agarra o coelho.
Mata-o
porque é raposa.
A baleia engole o plâncton
e nela chafurda
porque é baleia.
Com vagares de epitáfio a tartaruga
sabiamente se afasta,
distingue-me com honra
no elástico tempo do seu olhar
e sorri-me
porque é tartaruga.
Apesar disso
vi chorar os porcos.

[0013] Um poeta português: Nicolau Saião

Francisco Ludovino Cleto Garção de seu verdadeiro nome, Nicolau Saião é poeta, publicista, tradutor, dramaturgo, declamador e artista plástico, natural de Monforte. Reside em Arronches, no “Alentejo cercada”. Foi um dos responsáveis pela Biblioteca da Casa José Régio em Portalegre. Voz que vem do surrealismo português, foi Prémio Nacional de Revelação de 1990. “ibn Mucana” publica dois poemas de Nicolau Saião inseridos em “Escrita e o seu contrário” que, com humor, estão numa tradição da Literatura portuguesa – de Barbosa du Bocage, António Boto até E. M. Melo e Castro de “Caralhamas”, o vernáculo não se assusta quando a crítica social o exige.

DOIS  POEMAS  DE  “ERÓTICA  LEXICON”

O PANELEIRO

Digam, vá: o panasca. A sorte que ditou
a minha trajectória    não ofende o percurso
da pura anatomia das minhas partes
altas. Volutas de ADN
murmúrios roucos do anoitecer da carne
- a mão e o dedo preparados
e a relação da boca em todas
as situações incontornadas  -  me sustentam.

Panasca é pois meu nome
- a exacta honra de no cu levar,
que não me quero gay ou pisaflores
e muito menos veado ou maricon. Panasca
- sagrado nome que aos pátrios sítios
me devolve em ternura
na galhardia duma história inteira
de enrabados heróis.
Conheço os continentes, sei em que ilhas
e em que planuras a moca se transforma
em rios    mares de desejos e de amores   
por trás da descoberta.
Conheço o doce  e amargo de ser puta
de marinheiros   soldados    motoristas
(e de outros que não digo).

Pois panasca é que sou
até ao fim da vida    até ao fim do sonho.

E assim me ergo    soberano
tão íntegro e sereno
fraterno    entesoado
- ante vós    que não ides p’ró caralho.


O CABRÃO

Por mim me inclino com minha fronte
imaterial
flores que em volta me coroam até
ao ombro
até à simples alma de uma razão rasteira
de me saber cornudo, de topar
os rastos duma foda alheia
que o século me deu decifrada e cheia
de risadas de gozo.

Por essas ruas vou
cabelo ao vento
que o chapéu já me pesa na galhada testa
e vejo as árvores, os lugares de espanto
e a raiva vicejada no escuro dum quarto

De punhetas me tenho de enfeitar
pois já cona não tenho (ou tenho em falso).

Aos deuses eu empresto
meu funesto perfil
p’ra que saibam  tecer
seus próprios fastos.
E se touro já sou
minotauro me quero
para vingar a sorte

de um fodido destino.

[0012] Recordando Afonso Lopes Vieira

ALV, Columbano Bordalo Pinheiro, 1910
Decorreu em S. Pedro de Moel a quarta edição do Festival de poesia Afonso Lopes Vieira (Lisboa, 1978-Lisboa, 1946), co-organizada pela Associação PROTUR e pontuada de concertos, ateliês e roteiros fotográficos a cavalo.

Houve visitas encenadas à Casa-Museu Afonso Lopes Vieira (Rua Dr. Adolfo Leitão, n.º 4, São Pedro de Moel) espectáculos de contos infantis, teatro e passeios pedestres.  

A ideia de levar a poesia de Afonso Lopes Vieira (hoje, um pouco injustamente esquecido) aonde as pessoas estão – na praia, na esplanada, num largo ou num restaurante é totalmente meritória.

[0011] Novo número da revista "Nervo"

N.º 1 da "Nervo"
Vai ser publicada, no próximo dia 7 de Setembro, a edição do último quadrimestre, de revista “NERVO”, na qual colaboram os seguintes poetas:

 Alberto Pereira, Carlos Bessa, Emílio Miranda, Hélder Moura Pereira, José Luís Almeida, José Pascoal, Liliana Ribeiro, Manuel Gusmão, Manuel Halpern, Maria Quintans, Ramiro S. Osório, Rui Miguel Fragas e Sandra Andrade.

Inclui traduções de poemas de Alessandra Racca (Itália), Amosse Mucavele (Moçambique), Hussein Habasch (Síria), Pablo García Casado (Espanha) por André Domingues (língua espanhola), Francesco Selva (língua italiana) e Isilda Ribeiro (língua inglesa). 

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

[0010] Pablo Neruda fala sobre Federico García Lorca

[0009] Um poeta português: Amadeu Baptista

Natural do Porto, Amadeu Baptista é uma das mais expressivas vozes das gerações poéticas post 1974. Largamente loureado, foi Prémio Victor Matos e Sá e Prémio Teixeira de Pascoaes (2003), Prémio Nacional de Poesia Natércia Freire (2008), Prémio Edmundo Bettencourt (2008), Prémio Espiral Maior de Espanha (2008), Prémio Manuel Maria Barbosa du Bocage (2009) e Prémio de Poesia Cidade de Ourense (2014). Membro do Pen Clube Português, a sua poesia é vigorosa.  




A NOITE DE PAVESE

Raras vezes me franquearam a porta
e me deixaram entrar. A febre
sitia-me a alma e quem me vê
assusta-se do aspecto do meu rosto,
esta barba por fazer onde um rouxinol
se esconde. E mais ainda assusta
a minha altura, este lugar de vertigem
e palavras poderosas, a presença
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer,
o estremecimento que corre nos meus ombros.
Embora nada peça, sabem que sou um pedinte.
E quando entro nas casas os meus gestos
afeiçoam-se a alguma coisa enigmática
que contorna o pavor e o entrega
por não se saber que espécie de vida ou de morte
vem comigo. Obviamente, eu abençoo
quem me deixa entrar, dou a entender
que alguma coisa brilha nas minhas mãos
e posso matar a fome com uma ou outra palavra
próxima do amor, um dedo nos cabelos
de quem me recebe. Subi as escadas que vão dar a esta casa
em silêncio e em silêncio aceitei que me aguardassem
com as inefáveis sombras que vejo nos outros
e tento decifrar para meu contentamento.
Mandaram-me sentar e deram-me de beber.
Esse álcool reconfortou-me a alma.
E a minha gratidão expressa-se deste modo, limpo
e nítido, observando a mulher nesse sem fim
das coisas, onde todos os mistérios avançam
para uma explicação que a qualquer momento
pode irromper do espírito como uma explosão.
Olho-te nos olhos e recebo as duas moedas
que me ofereces, o teu rosto é-me familiar
se recuar à infância e subitamente perceber
que também pertenci ao exercício desta árvore
que nesta sala se levanta. Em frente,
na fotografia que o meu olhar alcança
porque me alcança o olhar que dela se desprende,
inscreve-se o enigma que me fez aqui chegar,
mais que um rumor ou um fio ténue
com o nome de todas as coisas inesperadas
que me aconteceram na vida, sempre
que me franquearam a porta e me deixaram entrar.
Agora, com a memória de ter estado em tua casa
e ter recebido a graça de alguma atenção,
eu, que sou pedinte embora nada peça,
entrego-te este sulco da desordem
sobre a página em branco e agradeço-te
com o conhecimento de um outro mundo
ainda mais inexplicável.
Não tendo havido despedida, sabe que permaneço
e na encruzilhada das dores que me couberam viver
não esquecerei o teu nome no dia em que também tiver partido
e mais nenhuma luz houver além daquela
que ilumina o teu rosto na solidão da noite.
Os anjos esperam-me. Não me é possível demorar.
Que me seja a alba a tua tolerância. 

[0008] Falecimento de João David Pinto-Correia



Autor de uma vastíssima obra, sobretudo nas áreas da Literatura Portuguesa, Cultura Portuguesa, Literatura de Viagens e Literatura Oral e Tradicional, João David Pinto-Correia faleceu em Lisboa no passado dia 20. O autor, madeirense, era Presidente da Comissão Científica do Departamento de Literaturas Românicas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Coordenador Científico do Centro de Tradições Populares Portuguesas, membro do Pen Club Portugal e do Projeto “A Rota dos Escravos”, tendo dirigido a “Revista Lusitana – Nova Série”.

“ibn Mucana” envia aos seus familiares as devidas condolências.

[0007] A poesia de José Luís Mendonça (Angola)


JOSÉ LUÍS MENDONÇA, poeta de profissão, fez a sua aparição no mundo das Letras Angolanas, com “Chuva Novembrina”, obra à qual foi atribuído em 1981 o Prémio Sagrada Esperança pelo INALD - Instituto Nacional do Livro e do Disco. Actualmente dirige e edita o Jornal CULTURA, quinzenário angolano de Artes & Letras. O poeta nasceu a 24 de Novembro de 1955, no Golungo Alto, e é licenciado em Direito pela Universidade Católica de Angola. Iniciou-se no jornalismo estudantil, aos 17 anos de idade. Em 2005, foi contemplado com o Prémio “Notícias Gerais da Lusofonia”, no Concurso CNN-Multichoice Jornalista Africano e o Ministério da Cultura de Angola atribuiu-lhe o Prémio “Angola Trinta Anos”, na disciplina de Literatura, no âmbito das comemorações do 30º Aniversário da Independência Nacional, pela sua obra poética “Um Voo de Borboleta no Mecanismo Inerte do Tempo”. No ano de 2015, foi-lhe outorgado o Prémio Nacional de Cultura e Artes na categoria de Literatura, devido à singularidade do estilo e o valor cultural das temáticas tratadas, tendo instituído o amor como guia da sua produção literária, em torno da qual percorrem diversos temas, entre os quais as relações entre povos e o poder político, para além de, no conjunto da sua obra poética, associar a política e a ideologia, as interacções que a história recente de Angola levanta, as tradições populares e o maravilhoso, bem como a preservação do ambiente. Primeiro editor da revista Mensagem do MINCULT. Co-fundador e primeiro editor da revista O CHÁ (da Associação Chá de Caxinde) e fundador e editor da revista KISANJI, da delegação de Angola junto da UNESCO (Paris, onde trabalhou como Adido de Imprensa – 2008 a 2011). Editou também as revistas do Ministério da Cultura sobre a FEIRA DO LIVRO DE HAVANA 2013; e sobre o FENCULT 1014.

Projectos e Ensaios: no domínio da Educação e Cultura

PROJECTO LER É CRESCER – Em 1998, elaborou e implementou sob tutela do Ministério da Educação e com o apoio do INALD, o projecto intitulado ‘Ler é Crescer’, na vertente das bibliotecas manuais de turma, cujo objectivo é incentivar o gosto pela leitura, cultivar o espírito, isto é, aumentar o nível cultural do cidadão e aprimorar a capacidade de redacção e leitura da língua portuguesa, principalmente entre as camadas mais jovens (dos 10 aos 14 anos), nos centros escolares do país. O projecto ‘Ler é Crescer’ foi implementado nas províncias de Luanda, Bié e Moxico, com base nos apoios em material bibliográfico recebidos da União dos Escritores Angolanos, da UNESCO e do Instituto Camões. Actualmente, está desdobrado numa vertente comunitária, de proximidade aos utentes, intitulada ‘Leituras no Quintal’.

Bibliografia

01.      Chuva Novembrina, Poemas; 1981 Prémio Literário Sagrada Esperança (INALD-Instituto Nacional do Livro e do Disco)
02.      Gíria de Cacimbo, Poemas; 1987 (União dos Escritores Angolanos - UEA)
03.      Respirar as Mãos na Pedra, Poemas; 1990, Prémio Literário SONANGOL  (UEA)
04.      Quero Acordar a Alva, Poemas, 1996, Prémio Sagrada Esperança - INALD)
05.      Se a Água Falasse, 1997, 16 Poemas, Primeiro Prémio dos Jogos Florais do Caxinde
06.      Logaríntimos da Alma, Poemas, 1998 – UEA
07.      Ngoma do Negro Metal, Poemas, 2000 – Editora Chá de Caxinde
08.      Um Canto para Mussuemba, Antologia de poesia seleccionada, 2002 – Imprensa Nacional - Casa da Moeda (INCM), Lisboa
09.      Os Vinte Dedos da Vida, Conto, 2003 – Editorial Chá de Caxinde
10.  Cal & Grafia, Antologia de 20 anos de Poesia, 2005, Editora Kilombelombe
11.  Nua Maresia, Poemas, 2005 – UEA
12.  Um Voo de Borboleta no Mecanismo Inerte do Tempo, Poemas, 2006, Prémio “Angola 30 Anos” do Ministério da Cultura, INALD 
13.  Poesia Manuscrita pelos Hipocampos, Poemas, 2010 – UEA
14.  Olfactos do Afecto, Poemas, 2010 – UEA
15.  Africalema (Antologia, 102 poemas escolhidos), 2011 – NOSSOMOS, Póvoa De Varzim, Portugal
16.  Não Saias sem Mim à Rua esta Manhã, 2011 – NOSSOMOS, Póvoa De Varzim, Portugal
17.  Esse País Chamado Corpo de Mulher, 2012 – UEA
18.  O reino das casuarinas, romance, 2014, Leya (Lisboa) e Texto Editores (Luanda)
19.  Luanda fica longe, colectânea de contos, 2016, Leya (Lisboa) e Texto Editores (Luanda)
20.  Angola me diz Ainda, poesia de intervenção, 2017, Guerra & Paz (Lisboa) e Acácias (Luanda)


O POVO É FEITO DE BARRO

O povo é feito de barro
de pouca coisa na mão
do acontecimento tão triste
de ser ele quem paga a factura
das guerras que os líderes decretam.

O povo é feito da planta
mais fina que cresce no rio
um luando para dormir
três pedras para cozinhar
a sombra amena que desce
da palmeira de dendém.

O povo é o próprio capim
que os elefantes pisoteiam
e comem até arrotar.

Nosso povo era ferreiro
agora nem faca forjamos
a globalização vende tudo
pra quê deixar de comprar
se temos os bolsos bem gordos
com ramas de ouro negro?


Da obra “Angola, me diz Ainda” (2017)

sábado, 25 de agosto de 2018

[0006] O novo "Ressurxe" galego: Manuel Maria, "poeta de Lugo"


Manuel Maria (de seu nome completo Manuel Maria Fernandez Teixeira) foi um poeta e escritor galego que sempre se bateu pela causa da sua Galiza. Herdeiro do idioma de Rosalia de Castro, o meu amigo Manuel Maria foi firme voz contra a ditadura assassina de Francisco Franco – recordo-o dos tempos da clandestinidade, quando ele era um dos responsáveis pela Union do Pobo Galego, UPG. Fica em galego um dos seus poemas.

CANCIÓN DE CLARIDADE DAS PALABRAS

A palabra é a única chave que abre
a nossa intimidade e pon, à luz
do sol e do luar,
a choida soedade mais escura. 
A palabra nomea e cria as cousas,
pon orde no mundo
e harmoniza toda a creación.
Cando prostituímos a palabra
estamos invocando ó demoníaco.
E se deixamos morrer unha palabra
o universo enteiro
dóese de orfandade e desamparo.