quinta-feira, 30 de agosto de 2018

[0024] Uma poesia densa: Luís Filipe Sarmento

Luís Filipe Sarmento, homem multifacetado, é escritor, tradutor, realizador de televisão, jornalista, editor, realizador de cinema e vídeo e professor de Escrita Criativa. Produziu e realizou a primeira experiência de Videolivro feita em Portugal no programa Acontece para a RTP (Radiotelevisão Portuguesa), durante sete anos. Membro do International P.E.N e do Club.Membro da Associação Portuguesa de Escritores, foi Coordenador Internacional da Organization Mondial de Poétes (1994-1995). É ainda membro do International Comite of World Congress of Poets e foi também presidente da Associação Ibero-Americana de Escritores (1999-2000). Da sua já extensa e densa obra, publicamos três poemas do seu original ainda inédito “NKN”.


1.

Da metafórica mãe à obra magna: pensa a matéria obscura
e, revelando-se, a ignição é-lhe notícia e reflecte. Este é o princípio:
intui. Não há redondez no caos e se há é um acaso da fricção:
imperfeitas esferas à deriva na alegoria do sangue primevo.
A realidade do fenómeno, a transparência em si, a primeira letra,
a sensação histórica da veia, o plasma ao olhar abismado
do primeiro observador, anónimo, de mistérios. Mutila a geografia
do pensamento, o pretexto, e avalia a substância, questionando-se.
A expressão dos desertos opacos como exclamação da dúvida
entre pontos que brilham mas que se desconhecem.
Eleva-se e esquiva-se ao conflito dos duendes que se antagonizam;
as formas que preexistem dar-lhe-ão seguramente recursos.
Pensa: há um método que é e não é; o mecanismo imperfeito
do conhecimento e a mecânica da contradição. Interroga-se.
O que há em si é uma representação e de si a experiência.
Inscreveu crenças, duvidou da sua estrutura, analisou fenómenos.
Verifica que os sistemas interagem, destruindo-se;
observa, descarta o que é infundamentado, e busca um cardápio
que seja a colecção pura da obra que nos constitui o pensamento.
O que se segue é a arquitectura das ideias.
O registo do obsoleto.


2.

Não resolve a paisagem com o olhar: é muita matemática
colorida. Questiona a natureza, senta-se e observa a ciência.
Conhece-lhe as equações, os projectos, algumas ideias.
Desconhece as respostas e espera, olhando-a.
Sente-se um espião contra deus a olho nu, espia a organização
natural, forçando-a à exibição das soluções.
As primeiras gotas de néctar descem-lhe do cérebro à garganta
e associa a cada resposta um elixir. A observação da ciência
desenha-lhe no palato um poliedro de sabores.
A exuberância da geometria do gosto vai brilhando timidamente
como um constelação longínqua no seu universo cerebral.
As nuvens instigam-no e reconhece nas suas formas efémeras
Arquimedes que, na dissipação das gotas, lhe sorri.    

3.

A ideia é uma experiência de prazer, não um dogma divino,
uma viragem na tristeza, na exaustão: o colapso da desistência.
A sua estrutura é edificada a partir da razão de si, explicita-se
na exuberância do objecto que estimula os sentidos.
O deleite de quem observa é a volúpia de quem cria,
a impressão do observador acolhe o objecto que se transmuda.
Produz fenómenos, múltiplas sensações, leituras e perspectivas
do que em si se deu à elaboração do exterior.
Entendimento e sensibilidade confraternizam
no deleite da observação que à observação do criador
lhe produz uma nova experiência, estimulando-o
na criação de experiências de prazeres.
O espaço geométrico espiritualiza-se com a aritmética do /tempo,
mitifica-se e o que encerra oculta-se na metáfora.
O que transparece pode não ser o que na origem é.  

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