quinta-feira, 17 de junho de 2021

[0740] Juergen Heinrich Maar brinda-nos com mais um poema seu, desta feita alusivo ao nosso (e dele) Fernando Pessoa


GUARDA A DOR DOS REBANHOS


Guarda a dor dos rebanhos

Para além das nuvens ao sol poente,

Acolhe os rebanhos à tua mente

Sem perceberes os seres que passam reais

E naturais ao sol poente.


Este te trouxe a dor do passado

Não redimido se bem que vivido;

Aquele outro é mais do teu agrado

Porque vem de futuro embebido,

Futuro para o qual a dor não faz sentido.


Cada qual é um destino sagrado:

Vê apenas o que não tem passado

Em cada coração que palpita agitado

Sem número, código ou nome,

Sem razão última ou coisa assim.


Para que os rebanhos sejam mil termos

Guarda a dor dos rebanhos.

E os toma como recebemos sem vermos

As sombras das nuvens ao sol poente.

Serás com os rebanhos mil seres,

E serás ainda ao sol poente.       

                         Juergen Heinrich Maar, 02.12.1983

Retrato de Fernando Pessoa, por Almada Negreiros, 1964 - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

terça-feira, 1 de junho de 2021

[0737] Um poema inédito de Carlota de Barros, nascido neste dia 1 de Junho... da Criança


CRIANÇAS


Há crianças felizes

brincando na relva

nos parques 

nos jardins

rebolando na areia quente

rentes ao mar

respirando alegria

tablet nas mãos

olhinhos curiosos

fixos nos jogos

nos seus filmes

predilectos

não há pai não há mãe

que os tire dessa postura

inclinados no sofá 

onde quer que seja

com os tablets nas mãos

olhos fixos no ecrã


Crianças felizes ....

tão distantes dos meninos de Cabo Delgado


Meninos de Cabo Delgado

sem um teto  apenas uma refeição por dia  

mas brincando na rua  com brinquedos  

fabricados por eles próprios

pedaços de pau   ferros abandonados

caricas de garrafas de cerveja

bolas de trapos   bonecas de barro

sem tablets   nem cama   nem sofá

para sentir o prazer de apreciar

um filme infantil  ou um jogo para crianças

mas com um sorriso frágil nos lábios

porque brincam com amigos


Menino de Cabo Delgado

que viu degolar a cabeça do pai ou da mãe

e fugiu para lugar nenhum

sem rumo  assustado  doído

sem dia de regressar 

sem casa   sem a concha familiar  

sem pai nem mãe nem avó  nem avô

e os irmãos  por onde andarão?

Apenas com a visão cruel que jamais esquecerá.


Como vai ser o dia da Criança para ti?

Poderás ser feliz   meu menino?

Talvez no teu coração de criança inocente

haja ainda lugar para a felicidade

vi-te sorrir   com os olhinhos travessos

como te vi brincar com teus amigos que sorriam para a câmara.


Sê feliz se puderes   meu menino!

Vi-te sorrir. Meu coração pulsou.

Já te amo muito  meu menino

mesmo sem te conhecer

acolhi-te no meu coração  

porque vi como é amargo

ser menino de Cabo Delgado

fugindo para o mato acossado 

e tão assustado.


Ah estas nossas crianças felizes

tão distantes de Cabo Delgado!


São os meninos de hoje   felizes em casa

na escola   no campo ou na praia

estas as crianças que vemos e tocamos

todos os dias olhando-nos curiosas

devolvendo-nos sorrisos luminosos

que nos farão felizes o dia todo


Sê feliz meu menino 

tens casa   pai e mãe  

visitas os avós

que te fazem todas as vontades

tens amigos da escola

com quem adoras brincar   saltar e correr.


Oh alegria!


Sê feliz meu menino

hoje é teu Dia

mas sê feliz todos os dias do ano

és criança    ser inocente

que sorris para mim sem me conhecer

porque te cativei com meu sorriso

afagos de longe   beijos de mãe ...


Sê feliz 

todos os dias do ano

meu menino!


Carlota de Barros

Lisboa, 1 de Junho, de 2021