quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

[0553] Jorge Velhote lança novo livro de poesia

Apresentado por Amadeu Baptista e Maria Bochicchio e leituras por Isaque Ferreira e Rui Spranger, vai ser lançado no Mira Forum (Porto), o novo livro de Jorge Velhote, “Âmago” (da Edições Sem Nome). Segundo o autor, estes poemas são dedicados a quantos com ele compartilharam a sua intensa actividade cultural.


[0552] N.º 4 da revista "Nervo"

Acaba de ser publicado o n.º 4 da revista de poesia “Nervo”, tendo como tema central nesta edição “O que andam a escrever os nossos poetas contemporâneos?”. Apresentada na Biblioteca Municipal do Entroncamento, a revista traz intervenções da sua directora, Maria F. Roldão, do historiador Henrique Leal e de Nuno Garcia Lopes.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

[0551] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (17) Nuno Rebocho e a demanda da liberdade


TU PROCURAS

Tu procuras a sementeira que alguém rasgou pois esse é o sinal
de que chegarão as asas das aves quando o sol mourejar.
Então os estampidos traduzem os homens cujas bocas se abeiram dos regatos
para tomar em mãos o sangue da carnificina e então serás
o que há-de vir no percurso dos silêncios, o mesmo percurso das tectrizes
e das borboletas que, porque voam, navegam entre as papoilas
e as estevas. E então dirás que a liberdade também se esquece
como o furor aquece a linfa. E então estarás teso
como o eucalipto que já secou a fonte.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

[0550] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (16) Nuno Rebocho reptilíneo


SOVACO DA COBRA

o sovaco da cobra resguarda o saco dos segredos
à mistura com a mentira dos medos: guarda o que pode
e o que sobra sacode juntamente com os dedos.
é preciso dizer que a cobra engorda aos solavancos
da ira desfeita (olá cobra imprudente –
que como o ponche se ajeita) e à espreita
espoja-se no pó da terra branca. plasma-se a luz
que na acácia se espanta.

mas os segredos – meu deus quantos enredos
se burilam no canto do lobo e eu fico
pasmado como os rochedos resistem à dor
do mar. e eu fico especado perante a tarde
que se deixa cobrar. só a cobra engrena
os desvelos de ficar por aqui preso
pelos cabelos e ser a vontade guardada
na calma tempestade da achada.

salva-me o sovaco: o suor e a canseira
de ser outra ilha de outra maneira.
de ser barco ou ser vento ou ainda avião
numa viagem carpida por dentro. ou não

ou sim. ou talvez assim

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

[0549] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (15) Nuno Rebocho, sempre a esperança


IRREDENTA ESPERANÇA


                              A todos (amigos e inimigos)
                               
escondo-me no saco dos brinquedos:
ainda aí guardo esperanças e segredos
fechados a sete chaves.
deles por enquanto nada direi
- quero-os irredentos
puros (sagrados)
como serão os corpos nos noivados
e são as mulheres que eu amei.


escondo-me mas não deserto. fico
à espreita na tocaia a que me dedico
sempre à espera de novidades.
sei que virá o tempo
de abrir o saco
e sacar lá de dentro outro pacto
com a chuva com o sol e com o vento.


eu sei: virá o tempo. e então direi
quanto esteve sufocado e conservei
com força de medrar e viço
e alma. direi o chão
da aventura
regada pela viva água da ternura
onde por nossas mãos brotará o pão.


eu sei: virá o tempo.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

[0548] Manuel (d'Angola) de Sousa, poeta contra os silêncios


Nascido em Lisboa em 1930, Ricardo da Costa Manuel está radicado em Angola, considerando-se mais angolano do que muitos angolanos”. Livreiro e publicista.


ESFREGANDO O SILÊNCIO DA ARDÊNCIA NA CÓRNEA DESFEITA EM ÁCIDAS LÁGRIMAS 

Sopro o pífaro em retirada acelerada
Fujo da realidade actual e pulo fora
Retiro às pressas tudo o que tenho dito
Retraio todos os preceitos atrás de um pilar…

Escavo sem fundamento as fundas fundações
Enceto uma correria contra o tempo para me ocultar
Corto caminho indo às curvas e aos ziguezagues
Abençoo-me o melhor que consigo ou posso…

Oiço os Anjos a tocarem as cornetas triunfais
Subo subitamente a escadaria para me juntar a eles
Deixo o portal aberto para que vêm a seguir
Vou à varanda espreitar miragens à distância

Borro a escrita toda com um mero mata-borrões
A fita das inaugurações chegou à justa ao fim
Deslizo pelo gelo tão logo começa o degelo das águas
Jogo flores e pétalas para a esquerda e para a direita

Enfio-me a eito por um beco de saída exígua
Julgo sumariamente e condeno actos explosivos
Expurgo e expulso indomáveis Demónios do corpo

Exorcizo as maldade e mágoa santificando o espírito

Exponho galerias de arte sacra exposta a sacrilégios
 Somo números primos improváveis a fenómenos estranhos
Começo aquilo que antes acabei ou conclui no final das contas
Abordo com adequada suavidade as questões mais difíceis em silêncio…

Rodopias
suavemente/mente em
harmoniosas sinfonias
de odores fortes
- suor acácia fêmea rosas
cravo macho.
Me lembras
em tua carne rija bronze
Terra
mar encapelado
outono
fruto maduro
caju apetecível

Escrito em Luanda, Angola, a 10 de Abril de 2017, por Manuel (D’Angola) de Sousa, em pleno sentido Pesar e em Solidariedade com o Povo Egípcio e sobretudo, com a vitimizada Comunidade Crista Copta do Egipto e em vigoroso repúdio aos odiosos, vis e trágicos atentados mortais, perpetrados pelos inimigos do Espírito da Paz e Inter-Religioso Mundiais, em um par de Igrejas Coptas do Egipto...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

[0547] Voz d'Aurora (ou Elias Chipalavela), a novíssima poesia angolana


Pseudónimo de Elias R.B. Chipalavela, nascido em Mavinga (Huambo) em 1992. Membro da Brigada Jovem de Literatura, é cofundador da Associação Grupo de Busca e Difusão do Saber. Actor no Morro do Moco e formador de Literatura.


SENHORA NOSSA MERETRIZ 

Na berma não tem cicratiz alguma
Olha p´ra quem diz, senhora nossa meretriz
Na berma, nada mais espanta,
Seu retrato desencanta, senhora nossa meretriz

Os velhos clamam, os velhos reclamam
Mas quem será o juiz?
Gritos daqui, gemidos dali,
E ninguém prediz.

Na berma, só quem conhece o asfalto
Só gente de betão!
E a gente quem vem lá da ombala?!
Os velhos clamam, os velhos reclamam,
Mas quem será o juiz?


NEGRA KIANDA

Fala-se da bel kianda
Rainha do mar sob as ondas a perfilar
Conta-se nesta Luhanda, talvez lenda seja kianda
Que aqui em Luhanda anda

Canta-se da bel kianda
Prosa ou poema, sonhos do mar ou maresia?
Só em Luhanda há
Além a lenda anda, anda a lenda da bel kianda

Fala-se da bel kianda
Kianda no mar, na fábula da banda
Quis meu pincel dela expressar
Só meu lápis de carvão, no cordão da emoção
Soube kianda então representar

Projectam-se marés de ideias sobre o poder desta sereia
Kianda menina, do mar a padroeira
Que bela é a kianda
No dizer das palavras, na acção, concepção das ideias
Tem poder, tem alma kianda, menina, velha sereia

Diz-se que é no mar, é no mar que ela anda
Mas é no mar? Onde anda?
Deixai kianda relíquia da banda
Deixai kianda, negra kianda, que aqui a lenda anda,


CALARAM-LHE A BOCA COM PIPOCA 

O tamborim da terra já não toca mais
Já não suspira, não toca nem ronca mais
Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Já não se canta nas ombalas e serões de nossa tradição
Já não fala das malambas e o luto farfalhante no olhar da nação
Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Não clama nem reclama seu lugar também
Nem se juta à nós nas noites sem manjar
Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Nakambiote também esqueceu de sua identidade
Esqueceu de ser gente e o valor da liberdade
 Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Olha que senhor juiz também perdeu dignidade
Divorciou-se da verdade para alimentar as vontades…
Cremaram-lhe a boca, cremaram-lhe a boca com pipoca

Polícia agora não é agente mais
Deixou de ser agente para ser vagagente
Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Nakambiote viu o professor comer a Margarida
– como ela já aprovaste e não estudes mais –
Assim disse o professor
 Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca


O GRITO DOS KANDENGUES

Entre sonhos e sonâmbulos, o grito dos kandengues
A noite cai em prantos, não há manjar no prato!

Queremos o manjar, sim, choramos por um manjar
Sem manjar no prato, mamã não dormiremos
Papá é bom de prosa, mas nossa fome já não cega

Queremos o manjar, sim, choramos por um manjar
Sem manjar no prato, mamã não dormiremos
Medo temos de dormir, medo temos de não mais acordar

Queremos o manjar, sim, choramos por um manjar
Não há manjar para acalentar a fome, a revolução do estômago
Nem palavras que possam nutrir talvez os nossos ânimos

Queremos o manjar, sim, choramos por um manjar
Entre sonhos e sonâmbulos, o grito dos kandengues
Não há manjar no prato: noite cai em prantos!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

[0546] Rui Lage, a poesia insone



Nascido na cidade do Porto em 1975. Escritor, ensaísta, crítico literário, dramaturgo, tradutor e poeta, fundou e dirigiu, a revista Águas-Furtadas", venceu o Prémio Ruy Belo em 2016.

O FANTASMA DE NIETZSCHE APARECE NO MEU QUARTO E FALA

Nada fizeram por merecer-nos, os deuses.
Não se deram sequer ao trabalho
de nos salvar,
mas nasceram várias vezes
e morreram outras tantas
em muitas línguas e países,
ou circularam
da planta ao jardineiro
tudo ligando
em universal desarmonia. 

Cansados de converter os gentios,
de verem expostas suas vidas
em textos sagrados,
fartos de prestarem favores
a troco de rezas e flores,
invocados em missas negras e concertos
de Black Metal,
fumados nos trópicos,
possuídos por xamãs nas vastas regiões
do Norte,
procurados no alto das montanhas
do Nepal,
vendidos em templos de arrabalde, 
arrumados em nichos, 
feitos ídolos com nossos pés de barro
a fraquejar nas igrejas
ou tomados por autores da matéria
(quando só o espírito
os podia explicar),
desvincularam-se do mundo
e das palavras,

emitiram comunicados em que negaram
qualquer envolvimento
em ataques de bombistas suicidas,
na gestão de um condomínio no céu
(equipado com dez mil virgens), 
nos juramentos do presidente dos E.U.A.,
nas promessas não cumpridas
de uma Nova Jerusalém
ou na eleição de qualquer povo
(em particular).

Criados à nossa semelhança
contra nós se revoltaram.

E nós, fracos, a revolta lhes perdoamos. 

Nossa a culpa de os ter criado. 


O PAÍS À PORTA
  
Se pudesses, O'Neill, ver hoje o teu país, 
(ou tu, Assis Pacheco, filho pródigo
destes quintais floridos)
velho de oito séculos e pouco mais velho
desde que o deixaste,
país que secretamente não vota
para não se maçar
enquanto furta com arte as gaiolas vizinhas
a cantar nas paredes caiadas,
país com mais que fazer
(futebol para ver
e mato para queimar);

se pudesses vê-lo agora
não levarias a peito,
mas confirmarias, estou certo, 
que tem defeito de nascença 
ou de fabrico,
mais valendo, por isso, 
como em vida tua valeu,
deitar por terra a lança do ódio,
fechar a navalha do tédio,
sacudir o ombro da solidão
e rir sonoramente de tudo, 
talvez não tanto à porta da pastelaria
como, hoje em dia, à porta dos chineses,

mas rir sonoramente de tudo, dizia, 
- de ti mesmo,
sobretudo. 


BAILE DOS BOMBEIROS

Quer traves, rapaz,
quer precipites a mão
no seu cabelo a escaldarás
não tanto oxalá quanto
a pele do coração
pois naquela é passageira
a queimadura
mas neste
é sem cura.
Deixá-la correr um pouco
sob a torneira do pátio
se não for de seca
o sempre excessivo
e velhaco
Verão.

[0545] De novo, Mário António


Um dos nomes de referência da literatura angolana, Mário António Fernandes de Oliveira nasceu em Maquela do Zombo em 1934 e faleceu em Lisboa em 1986. Desde 1963 viveu em Portugal, mantendo estreitos vínculos com a cultura de sua pátria. Personalidade multifacetada, a sua poesia faz da saudade um tema quase constante.


DONAS DO OUTRO TEMPO

Donas do outro tempo
Vejo-as neste retrato amarelado:
Como estranhas flores desabrochadas
Negras, no ar, soltas, as quindumbas.
Panos garridos nobremente postos
E a posição hierática dos corpos.
São três sobre as esteiras assentadas
Numa longínqua tarde de festejo.
(Tinha ancorado barco lá no rio?
Havia bom negócio com o gentio?
Celebrava-se a santa milagrosa
Tosca, tornada cúmplice de pragas
Carregada de ofertas, da capela?)
A seu lado, sentados em cadeiras,
Três homens de chapéu, colete e laço.
Botinas altas, botas de cheviote.
Donas do tempo antigo, que perguntas
Poderia fazer aos vossos olhos
Abertos para o obturador da fotográfica?
Senhoras de moleques e discípulas
Promotoras de negócios e quitandas
Rendilheiras de jinjiquita e lavarindo
Donas que percebíeis a unidade
Íntima, obscura, do mistério e do desígnio
Atentas ao acaso que é a vida
(Há sopros maus no vento! Gritos maus
No rio, na noite, no arvoredo!)
E que, porque sabíeis que a vida é larga e vária
E vários e largos os caminhos possíveis
A nova fé vos destes, confiantes,
O que ficou de vós, donas do outro tempo?
Como encontrar em vossas filhas de hoje
A vossa intrepidez, a vossa sabedoria?
Os tempos são bem outros e mudados.
A tarde da fotografia, irrepetível.
Água do rio Cuanza não pára de correr
Sempre outra e renovada.
E dessa fotografia talvez hoje só exista
Na vilória onde as casas são baixas e fechadas
E têm corpo, pesam, as sombras e o calor
A sombra farfalhante da mulemba
Que vos deu sombra e fresco nesse domingo antigo.


CHUVA

Outrora
Quando a chuva vinha
Era a alegria que chegava
Para as árvores
O capim
E para a gente.
Era a hora do banho sob a chuva
Meninos sem chuveiro
A água regateada na cacimba
Muitas horas de pé esperando a vez.
Era a alegria de todos, essa chuva:
Porque então fiz o primeiro poema triste?
Hoje ela veio
Veio sem o encanto de outras eras
E ergueu na minha frente o tempo ido.
Porque estou triste?
Porque estou só?
A canção é sempre a mesma
Mesmos os fantasmas, meu amor:
Inútil o teu sol ante os meus olhos
Inútil teu calor nas minhas mãos.
Essa chuva é minha amante
Velho fantasma meu:
Inútil, meu amor, tua presença.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

[0544] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (14) Rebocho dos inéditos


Apesar do muito já publicado, muitos inéditos permanecem na gaveta. É o caso das “brincadeiras” poéticas constantes de “Impressões Digitais”, de que aqui se publicam dois dos textos.







segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

[0543] Adília Lopes, a "freira poetisa"


Pseudónimo de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nasceu em Lisboa em 1960. Documentalista, cronista, tradutora e poeta.


PRÉMIOS E COMENTÁRIOS

A avó Zé e a tia Paulina
deram-me os parabéns
e disseram
agora já é uma senhora!
a Maria disse
parabéns por quê?
é uma porcaria!
quanto a comentários
a poesia e a menarca
são parecidas

Em 72 recebi
o prémio literário
dos pensos rápidos Band-Aid
o prémio foi uma bicicleta
às vezes penso
que me deram uma bicicleta
para eu cair
e ter de comprar pensos rápidos
Band-Aid
é o que penso dos prémios literários
em geral


NO MORE TEARS

Quantas vezes me fechei para chorar
na casa de banho da casa da minha avó
lavava os olhos com shampoo
e chorava
chorava por causa do shampoo
depois acabaram os shampoos
que faziam arder os olhos
no more tears disse Johnson & Johnson
as mães são filhas das filhas
e as filhas são mães das mães
uma mãe lava a cabeça da outra
e todas têm cabelos de crianças loiras
para chorar não podemos usar mais shampoo
e eu gostava de chorar a fio
e chorava
sem um desgosto sem uma dor sem um lenço
sem uma lágrima
fechada à chave na casa de banho
da casa da minha avó
onde além de mim só estava eu
também me fechava no guarda-vestidos grande
mas um guarda-vestidos não se pode fechar por dentro
nunca ninguém viu um vestido a chorar


A MINHA MUSA 

A minha Musa antes de ser
a minha Musa avisou-me
cantaste sem saber
que cantar custa uma língua
agora vou-te cortar a língua
para aprenderes a cantar
a minha Musa é cruel
mas eu não conheço outra

[0542] F. Tchikondo





Poeta e cantor integrou em 2016 o colectivo do Ministério da Cultura da República Popular de Angola



PASSARINHO NO ASFALTO DA CIDADE

Nosso amor partiu puro e lindo
Em alegres asas das lavras de café.
Poisou sonhos de esperança sorrindo
Em nossos sonos tristes e vazios de fé

Ai nosso passarinho puro e lindo,
Jikulomessu kiosso wala okwenda!

Para as ruas e noites da cidade voou
Pesadelos e angústias na família despertou
Duros golpes arrancados da esperança
Corações feridos, mas o sonho avança
Ai nosso passarinho puro e lindo,
Jikulomessu, kiosso wala okwenda!

Ainda com tão pouca idade
Nas festas e raves se entregou
Nas avenidas e noites da cidade,
Em objecto fácil se transformou

Magoada, desencantada e viciada,
No frio asfalto a inocência foi violada.
Com tantas luzes, a mente se apagou
E rua escura e triste a alma lhe levou.

Ai nosso passarinho puro e lindo,
Na aldeia, tua morte é um mujimbo
Frio e duro como água do cacimbo,
Aiwé, mona muhatu wafu mu nzila.

Ngana Zambi, n´gonló o dila.
Aiwé, mamãwéééé
N´gui bâné mona muhatu wamiéééé!


EU QUERO UM RUMO

Eu quero um rumo
Na minha vida
Pessoal
Mas não pretendo
Uma via
Radical
Nos meus direitos
E liberdades
Fundamentais
Quero respeito.
Essas verdades
São herdades
De meus pais.
Eles lutaram
E conquistaram
Paz p’ra as famílias.
Nos libertaram
Sem haver Líbias,
Nem primaveras
Tão severas.
Essa canção
De que o dinheiro
Assim Global
E mãos com sangue
Tão mundial
Humanos são
Muita atenção
Isso é ganância
Imperial.
Mau companheiro
Na distância
Se sente o cheiro.
Eu quero um rumo
Na minha vida
Pessoal
Mas não pretendo
Uma via
Radical.


LÚCIO LARA NÃO MORRE

Mãos armadas braços d’Angola
Vivas vitórias sim, parto “menor”
Ideologias, ruelas passeios sem rumo
Rostos serenos olhos nos olhos
Lúcio Lara está vivo!
Juntos caindo cidade baixa
Prédios, becos, cárceres privados
Cães de raça dentes ferozes
Encruzilhada vida e morte
Lúcio Lara morreu?
Nervos cruzados esperançosos
Física presença se impondo
Espírito alto sem asas falando
Sim, sou eu!
Dúvida certeza, lágrima rolando
Furiosos caminhos trilhados
Factos na história revelados
(Onde tínhamos o microfone?’
De tão verdade não foi gravado)
Mães cruzadas de fome
Dentes rangendo de ternura
Sangue vivo nas veias corre
Sim, este parto é “maior”
Lúcio Lara não morre!

[0541] Novo livro de Edições Mortas

Mais um livro de Edições Mortas (www.edicoes-mortas.com) acaba de ser publicado: “Vendeta”, do poeta Amadeu Baptista. A editora portuense, em especial vocacionada para a literatura considerada “desalinhada”, pretende espaços novos e arejados no panorama editorial português.



[0540]


sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

[0539] Paula Russa, o canto do Sul


Pseudónimo de Ana Paula de Jesus Gomes, nascida em Caconda (Huíla) em 1962. Arqueóloga, historiadora, investigadora cultural, escritora e poeta, integra a União de Escritores Angolanos e a Associação de Chá de Caxinde.


ROSEIRA

Foi homem pra dizer-me adeus
Falando de uma outra mulher
Deixou-me sem saber pra onde ir
Cortou nossa roseira no pé

Eu desejei morrer pra não ver
A cama tão vazia ao redor
Meu sangue eu derramei por você
Meu corpo transformou-se em nó
Em solidão viu

Foi homem pra tentar redimir
Mas hoje eu não me enxergo em você
Existe agora um novo rapaz
Fez a roseira enfim florescer

Eu desejei viver pra lembrar
O quanto eu fui mulher pra esquecer
E hoje eu me permito sonhar
Em outros braços me vir nascer
Foi bem melhor viu

Foi homem pra dizer-me adeus
Mas hoje eu não me enxergo em você
Deixou-me sem saber pra onde ir
Fez a roseira enfim florescer
Foi homem pra tentar redimir
Falando de uma outra mulher
Existe agora um novo rapaz
Cortou nossa roseira no pé
Foi bem melhor viu


BENGUELA DOS 400 ANOS

Parabéns Benguela!

Benguela terra minha
Eterna rainha,
De recantos
Dos meus encantos,
De bairros humildes
Com gente de virtudes,
Da mulata mais bela
Com gingar de gazela
Das fugazes quitandeiras
Que vendem fruto de mangueiras,
Do matrindinde cantante
Sob o pôr do sol excitante.

Parabéns Benguela!

Benguela da praia
Morena meu orgulho
Onde em suas águas eu mergulho,
Das casuarinas verdejantes
Que encantam os visitantes
Do flamingo rosado
Procriado no lugar acertado
Do morro do sombreiro
Que faz do pescador um obreiro

Parabéns Benguela!

Benguela dos caçulas monandengues
Milhares oriundos de Quilengues
Benguela o meu, o teu, o nosso lar
A quem tu e eu temos muito a dar.

Parabéns Benguela!

[0538] Áureo Quicunga, a nova poesia angolana


De seu nome completo Áurio António Pereira Quicunga, nasceu em Luanda. Funcionário técnico bancário, jornalista, dramaturgo, escritor de literatura infantil e poeta, cofundador do Teatro Dadaísmo.


MAMÃ ÁFRICA

De dor e luto
testemunha de séculos de exploração
das suas culturas
o ritmo do semba, para os passos do tango
das melodias dos seus ritmos afrodisíacos para imponência do blues, jaz, hip hop
do batuque, o reco reco, a dicanza e a ampuita! até os passos do birimbau e o gingar da /capoeira, nas notas do fado
inspiradas em gazelas e palancas

Doou seu café, cacau, paus e frutos tropicais
o feijão, o arroz, o algodão, o petróleo e o alcatrão sua força da mão de obra nas /plantações da Virgínia, nas construções de pontes e estradas na fuga de seus cérebros, /que não vêm patenteadas seus inventos, suas criações
 Corrompidos pela droga, crack e o tráfico de vários ópios
Excluídos dos sistemas sociais, fechados em murros e barreiras da guerra, álcool e /prostituição

Herdou os conflitos e mortes em manifestações na Líbia, Egipto, Tunísia, e Guiné-/Bissau
despoletam os políticos que lundularam o poder décadas e décadas ditatoriamente /derramam sangue inocente! Enquanto a frança e a Itália viram as costas a imigrantes
a subida do petróleo acelera a crise mundial quando a terra geme por um ecossistema /melhor
a subida do petróleo acelera a crise mundial
quando a terra geme por um ecossistema melhor

África invejada pelo seu potencial
degladiada por ser o berço cerebral

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

[0537] Novo número da revista "Nervo"

Acaba de aparecer, com capa da artista plástica Helena Rocio Janeiro, o número 4 da revista do colectivo de poesia NERVO (correspondente ao quadrimestre Janeiro-Abril de 2019), que assinala. o primeiro aniversário deste projecto, nela participando Ana Marques Gastão, André Domingues, Antonio Carlos Secchin (Brasil), António Garcia Barreto, Cláudia Lucas Chéu, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Fernando Esteves Pinto, Jesús Jiménez Domínguez (Espanha, traduzido por André Domingues), Luís Filipe Parrado, José Luís Borges de Almeida, Manuel Halpern, Margarida Vale de Gato, Maria Azenha, Nuno Garcia Lopes, Nuno Júdice, Paulo M. Rema, Raquel Serejo Martins, Rosa Oliveira, Rui Miguel Fragas, Sérgio Nazar David (Brasil) e Sérgio Ninguém.

[0536] De novo, Mário Máximo


Ex-vereador da Câmara Municipal de Odivelas, ex-responsável pelo Teatro Malaposta e pelas Bienais de Cultura Lusófona de Odivelas, animador cultural, diseur e poeta, Mário Máximo “revela” aos leitores de Ibn Mucana os segredos da língua portuguesa.


LÍNGUA PORTUGUESA

Amar uma língua é ter a chave para interpretar os segredos da existência.
Uma língua é um universo de símbolos e sons.
Um universo de significados e estéticas.
Amar uma língua é influenciar todas as outras
através das experiências extraordinárias
de dialetos e idiomas em contacto nos tubos de utópicos
vasos comunicantes
que unem continentes tendo como pontes os oceanos
e que unem oceanos tendo como pontes os continentes.

Amar a língua portuguesa é pertencer à humanidade da viagem.
É manusear a chave que não abre apenas a gaveta dos sonhos
mas o contador universal onde moram todas as gavetas,
pequenas e grandes,
que podem levar à revelação dos limiares superiores.
Amar a língua portuguesa é poder descobrir a teoria da relatividade
dos sentimentos que descobrem galáxias
e navegam quânticas probabilidades
e, logo a seguir, encontrar a teoria que nega toda essa relatividade.

Amar a língua portuguesa é ser a língua portuguesa.
Uma língua que não é pertença de ninguém.
Mas, todavia, tem uma história.
E essa história tem nomes e datas e tempos e luzes.

Quem falou, escreveu e viveu a língua portuguesa,
quem fala, escreve e vive a língua portuguesa,
quem vier a falar, a escrever e a viver a língua portuguesa
teve, tem e terá a sua quota-parte nessa aventura.

As palavras da língua portuguesa unem.
Esse é o segredo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

[0535] Alfredina Ventura, artesã da poesia

Alfredina Ornelas Ventura nasceu em Luanda em 1983. Formada em Recursos Humanos, professora e psicóloga empresarial, poeta.


MAKAS 

Pai violão
Ngombidi

Três emudecidas meninas
no silêncio da casa
aos gritos

Denúncia do alheio
mortes na boca
caso encerrado
acabaram-se as virgens


AMOR A AMAR 

Naufrago no mar do amor
preencho o vazio
com as verdes algas do ego

Reluzentes conchas invadem
as cristalinas águas do mais profundo
sorriso
rasgado
no semblante da alma

Cantam os golfinhos
o assobio vermelho do amor
silenciosas cegonhas a voarem…
Ilusão do mar
de amor

[0534] João Camilo, a poesia das pequenas coisas


João Camilo dos Santos nasceu em 1943. Filólogo, escritor, tradutor e poeta, doutorado em França, foi leitor de Português em Oslo, Rennes e Aix-en-Provence e professor das Universidades de Grenoble, de Rennes e da Califórnia (Santa Bárbara), director do Center for Portuguese Studies.


E TODOS OS PÁSSAROS

Eles não tinham escrito os poemas que eu esperava escrever. Mas os livros deles, quem sabe se não faziam nas montras das livrarias o eco da minha própria voz? Assim iam e eram os tempos: fazer-se ouvir dava-nos por momentos, e às vezes durante a vida inteira, a ilusão de existir, de ter desempenhado um papel e ter encontrado a verdade, um destino. O país era o modelo perfeito e surpreendente dos vícios da raça: ambição, heroísmo, despique. Uma ausência dolorosa e mesquinha por detrás das palavras, e todos os pássaros voavam apenas para serem vistos a cortar com agilidade o azul do céu. Como eu tinha horror a vir a ser pó nesta calcinada pelo sol, noutro tempo, à sombra, no meio de outros homens.


A CORDA

Não perceberam,
não ouviram bem.
Cada um ia
na sua corda
a equilibrar-se.
Cruzaram-se e
empurraram-se.
Insultaram-se.
Traíram-se.
Amaram-se
um pouco
por angano
às vezes?
Quem sabe?
A corda partiu-se,
ficou só o vazio
para pôr os pés.


AUSÊNCIA

Tu dizes na tua última carta que as palavras
são pouca coisa e que só a circunstância o poder
tocar-me com as tuas mãos evitaria que o cavalo
cinzento da ambiguidade comece a exigir braço forte.
Mas eu sei o que tu queres dizer: que os teus seios
a linha das tuas pernas no veludo das calças
os fios loiros que no teu pescoço imitam
os quadros de Botticelli as violas de Vivaldi são
as papoilas vermelhas que deixaram de estar
no que eu digo quando falo das searas de oiro.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

[0533] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (13) Nuno Rebocho, o cantar da esperança


Na poesia de Nuno Rebocho, a “esperança” e o “desejo de liberdade” são constantes que a percorrem. Nos poemas de “Discurso do Método” ressaltam com veemência nos “joelhos da alegria” como o “sentimento disponível de um chamamento”.


A CONSTRUÇÃO DA ESPERANÇA


conquanto me descubra no rosto oculto
que a esperança embebe na mágica dos dias
assim invento as tardes e descoso a febre
para os olhos. a hipocrisia é não tecer
e ter o outro lado e não sofrer
e esquecer-me mais do resto do que o gesto
de pintalgar a farda de um sorriso.
conquanto me descubra no interim dos outros
e cave o que me falta nesta falha de sentir
que o mundo roda roda e eu me tardo a vestir
o sentimento disponível de um chamamento
ou a chama de um torpor para de novo começar
a ter o jeito de um espelho invisível.
conquanto me encubra de águas e atravesse
as pedras de um jordão até ao outro lado
onde começa o sonho onde me disponho
até sentir os joelhos da alegria
de encontro ao rosto de começar o dia.


e depois direi que a esperança existe
sem ficar alegre e sem ficar triste.

[0532] Arlindo Barbeitos, a poesia construída na luta


De seu nome completo Arlindo do Carmo Pires Barbeitos nasceu no Catete (Angola) em 1940 e integrou a chamada “Geração de 70”. Poeta, combateu pelo MPLA na luta pela independência de Angola.


BORBOLETAS DE LUZ

esvoaçando
de cadáver em cadáver
colhem
o fedor dos mortos
                    em vão
e
pelos buracos da renda
          dos dias
passam álacres
do mundo do esquecimento
ao país da indiferença
levando consigo
o pólen fatal
das flores da guerra
          borboletas de luz


SEM TÍTULO

no tempo
em que as pacaças entravam
pelos povoados
o vôo alvoroçado das perdizes
carregava sonho
que
a mãozinha inerme da criança
feliz
agarrava ao lusco-fusco dos muxitos
no tempo
em que as pacaças entravam
pelos povoados


AMANHECEU

amanheceu
quem diria
que inda agora hoje era ontem
e que cacos ao longe não iam ser olhos de bicho
quem diria
que patos-bravos mergulhando não eram jacarés
e que lagartos azuis iam a quatro patas
quem diria
que bosta de elefante não eram pedras
e que guerrilheiros antigos iam pisar a sua mina
quem diria
que o professor cismando não era surdo
e que os alunos não iam falar a sua língua
quem diria
que a moça do Muié
que inda agora era virgem logo já não é
quem diria
que inda hoje era ontem
amanheceu

[0531] Tiago Nené e a poesia desnudada


Nascido em Tavira em 1982, é advogado, tradutor, professor de escrita e poeta, tendo obtido o Prémio Nacional de Poesia de Vila Nova de Fânzeres e o Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho de 2017. Foi cofundador da Associação Cultural Linguagem de Cálculo. Usa também o pseudónimo Sylvia Beirute.


NÃO SEI SE FALO OU SE BEBO

Não sei se falo ou se bebo,
sou uma porta marítima sobre a matéria.
Esvoaço em novas águas e prolongo o improviso
das imagens que imitam.
Não tenho mitologias no monólogo e no medo, ergo-me
como memória que destrói uma outra,
a minha infinidade experimenta a emoção antes de acabada.
Como uma mortalha em repouso no peito,
não conheço o meu mistério, não vigio o meu abandono,
sinto uma flor flutuando nas ilhas do meu ar,
estou entre a solidão e a cegueira.
Quero conhecer os peixes da alma, repercutir as cores,
não sou um sussurro de horas nem um céu que sangra.
Sou aquilo que me ocorre a cada inocência.


SINÓNIMOS NUM IDIOMA DIFERENTE

Sinónimos num idioma diferente,
nós que carregamos estes filhos com a linguagem da luz,
que corremos com uma canção de Outono,
que varremos o nosso túmulo. Durante anos
conjugámos a meditação com os vícios do quintal, sussurrando
o nome das aves na língua estelar de todos os segredos,
recordámos selectivamente os dias de neve durante a feira,
o avô e os tios e as mãos com cheiro a tamarindo,
as folhas dobradas com uma delicadeza jovem. Porém,
dizíamos que não nos lembrávamos de nada
e qualquer coisa era então um facto e uma lenda,
uma camada de terra por cima de uma nova distância.
Na praça da nossa cidade imaginária
éramos pré-palavras e pré-silêncio,
éramos de manhãzinha e um pouco antes da nossa morte:
um prado verdíssimo, uma génese
que nos ocorria na borda do espírito
ou então na pele de cada criança que nascia de nós.
O nosso sonho era na realidade
ser como aquelas pessoas que se lembram de tudo.


QUERO IR ONDE A PROMESSA QUEBROU

Quero ir onde a promessa quebrou,
ao momento em que as mãos se apagaram.
Foi breve o acordar na lembrança de outro corpo,
o regresso do subúrbio da vida
desviou o coração para a janela etérea
onde inventarás uma nova derrota, uma bela e simples derrota,
onde não existirá um sacrifício, uma fuga de vidro.
E eu falo contigo agora,
agora que o filme te cobre os olhos, agora
que o âmago afunda no instinto das pequenas coisas, agora
que desenho os materiais que resistem
à tua habituação cintilante e eterna.
Um dia li a tua mão, escapando-se-me o corpo,
cresci nessa imagem de astros, suspendi
os meus recursos de espectador,
falhei nas fendas da cabeça. E hoje
volto ao primeiro momento onde a promessa quebrou,
ao fulgor do primeiro exercício inaugural
da diferença entre o frio e o quente,
onde o vento corta as ruas
e os pássaros cantam o teu nome.

[0530]