quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

[0547] Voz d'Aurora (ou Elias Chipalavela), a novíssima poesia angolana


Pseudónimo de Elias R.B. Chipalavela, nascido em Mavinga (Huambo) em 1992. Membro da Brigada Jovem de Literatura, é cofundador da Associação Grupo de Busca e Difusão do Saber. Actor no Morro do Moco e formador de Literatura.


SENHORA NOSSA MERETRIZ 

Na berma não tem cicratiz alguma
Olha p´ra quem diz, senhora nossa meretriz
Na berma, nada mais espanta,
Seu retrato desencanta, senhora nossa meretriz

Os velhos clamam, os velhos reclamam
Mas quem será o juiz?
Gritos daqui, gemidos dali,
E ninguém prediz.

Na berma, só quem conhece o asfalto
Só gente de betão!
E a gente quem vem lá da ombala?!
Os velhos clamam, os velhos reclamam,
Mas quem será o juiz?


NEGRA KIANDA

Fala-se da bel kianda
Rainha do mar sob as ondas a perfilar
Conta-se nesta Luhanda, talvez lenda seja kianda
Que aqui em Luhanda anda

Canta-se da bel kianda
Prosa ou poema, sonhos do mar ou maresia?
Só em Luhanda há
Além a lenda anda, anda a lenda da bel kianda

Fala-se da bel kianda
Kianda no mar, na fábula da banda
Quis meu pincel dela expressar
Só meu lápis de carvão, no cordão da emoção
Soube kianda então representar

Projectam-se marés de ideias sobre o poder desta sereia
Kianda menina, do mar a padroeira
Que bela é a kianda
No dizer das palavras, na acção, concepção das ideias
Tem poder, tem alma kianda, menina, velha sereia

Diz-se que é no mar, é no mar que ela anda
Mas é no mar? Onde anda?
Deixai kianda relíquia da banda
Deixai kianda, negra kianda, que aqui a lenda anda,


CALARAM-LHE A BOCA COM PIPOCA 

O tamborim da terra já não toca mais
Já não suspira, não toca nem ronca mais
Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Já não se canta nas ombalas e serões de nossa tradição
Já não fala das malambas e o luto farfalhante no olhar da nação
Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Não clama nem reclama seu lugar também
Nem se juta à nós nas noites sem manjar
Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Nakambiote também esqueceu de sua identidade
Esqueceu de ser gente e o valor da liberdade
 Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Olha que senhor juiz também perdeu dignidade
Divorciou-se da verdade para alimentar as vontades…
Cremaram-lhe a boca, cremaram-lhe a boca com pipoca

Polícia agora não é agente mais
Deixou de ser agente para ser vagagente
Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca

Nakambiote viu o professor comer a Margarida
– como ela já aprovaste e não estudes mais –
Assim disse o professor
 Calaram-lhe a boca, calaram-lhe a boca com pipoca


O GRITO DOS KANDENGUES

Entre sonhos e sonâmbulos, o grito dos kandengues
A noite cai em prantos, não há manjar no prato!

Queremos o manjar, sim, choramos por um manjar
Sem manjar no prato, mamã não dormiremos
Papá é bom de prosa, mas nossa fome já não cega

Queremos o manjar, sim, choramos por um manjar
Sem manjar no prato, mamã não dormiremos
Medo temos de dormir, medo temos de não mais acordar

Queremos o manjar, sim, choramos por um manjar
Não há manjar para acalentar a fome, a revolução do estômago
Nem palavras que possam nutrir talvez os nossos ânimos

Queremos o manjar, sim, choramos por um manjar
Entre sonhos e sonâmbulos, o grito dos kandengues
Não há manjar no prato: noite cai em prantos!

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