Rui Knopli (Rui Manuel Correia Knopli) nasceu em Inhambane (Moçambique) em 1932 e faleceu em Portugal (Lisboa) em 1997, sendo sepultado em Vila Viçosa (a escassos metros de Florbela Espanca). Foi um poeta, jornalista e crítico literário e de cinema português. Estudou na África do Sul e fundou com Grabato Dias os cadernos de poesia “Caliban”. Teve que abandonar Moçambique com a descolonização (1975) mas sempre assumiu a sua qualidade de africano, ainda que desiludido com a evolução política do seu país de origem. Trabalhou na Embaixada de Portugal em Londres. Em vida publicou “O País dos Outros”, “Reino Submarino”, “Máquina de Areia”, “Mangas Verdes com Sal”, “ O Escriba Acocorado”, “Memória Consentida” e “O Corpo de Atena”. Postumamente foram publicados além da sua obra poética, as antologias “Uso Particular” e “Nada Tem Já Encanto”. Em 1984 recebeu o Prémio de Poesia do Pen Clube. Registamos dois dos seus poemas:
CERTIDÃO DE ÓBITO
Um tempo de lanças nuas
espera por nós, riso
cruel de maxilas em riste.
Enquanto a vida desabrocha
tenra e lépida,
fruto e flor na ânsia secular
de quem tanto esperou em vão.
Para nós, todavia,
o tempo é de lanças impiedosas,
de lâminas em cuja brancura
se adivinha já um indício
do nosso sangue. Deste tempo
sobrou-nos a acerado das lanças:
este o quinhão ácido que nos coube
e que mastigamos resignadamente.
Entretanto, num levedar de ternura,
frágil e muito bela, a vida desponta
em negra polpa de outros dedos.
Para nós, o prémio do aço,
a estrela da pólvora, a comenda do fogo.
Para nós, a consolação do sorriso triste
e da amargura sabida. Falamo-nos
e nas palavras mais comuns
há rituais de despedida. Falamos
e as palavras que dizemos
dizem adeus.
TESTAMENTO
Se por acaso morrer durante o sono
não quero que te preocupes inutilmente.
Será apenas uma noite sucedendo-se
a outra noite interminavelmente.
Se a doença me tolher na cama
e a morte aí me for buscar,
beija, Amor, com a força de quem ama,
estes olhos cansados, no último instante.
Se, pela triste monotonia do entardecer,
me encontrarem estendido e morto,
quero que me venhas ver
e tocar o frio sangue do corpo.
Se, pelo contrário, morrer na guerra
e fica perdido no gelo de qualquer Coreia,
quero que saibas, Amor, quero que saibas,
pelo cérebro rebentado, pela seca veia
pela pólvora e pelas balas entranhadas
na dura carne gelada,
que morri sim, que não repito,
mas ecoo inteiro na força do meu grito.
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