sexta-feira, 31 de agosto de 2018

[0029] Noémia de Sousa, "Mãe" da poesia moçambicana

Noémia de Sousa (Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares) nasceu na Catembe, do outro lado da baía do Espírito Santo, e frente do actual Maputo, em 1926, e faleceu em Portugal (Cascais) em 2002. Foi poetisa, tradutora, jornalista e arrojada militante política anticolonialista e antifascista. Considerada a “mãe dos poetas moçambicanos”, na verdade grande parte da poesia de Moçambique emerge do núcleo constituído em sua volta. Estudou no Brasil e esteve exilada em Paris para escapar à repressão salazarista, escrevendo então sob o pseudónimo de Vera Micaia. Deixou importante obra coligida sob o título “Sangue Negro”. Regista-se aqui um seu poema:


MAGAÍÇA

A manhã azul e ouro dos folhetos de propaganda
engoliu o mamparra,
entontecido todo pela algazarra
incompreensível dos brancos da estação
e pelo resfolegar trepidante dos comboios.
Tragou seus olhos redondos de pasmo,
seu coração apertado na angústia do desconhecido,
sua trouxa de farrapos
carregando a ânsia enorme, tecida
de sonhos insatisfeitos do mamparra.

E um dia
o comboio voltou arfando, arfando…
oh, nhanisse, voltou
e com ele, magaíça
de sobretudo, cachecol e meia listrada
e um ser deslocado
embrulhado em ridículo.

Às costas – ah, onde te ficou a trouxa dos sonhos, magaíça?
Trazes as malas cheias do falso brilho
do resto da falsa civilização do compoud do Rand.
E na mão,
magaíça atordoado acendeu o candeeiro
à cata das ilusões perdidas,
da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
lá nas minas do Jone…

A mocidade e a saúde,
as ilusões perdidas
que brilharão como astros no decote de qualquer lady
nas noites deslumbrantes de qualquer City.

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