terça-feira, 28 de agosto de 2018

[0013] Um poeta português: Nicolau Saião

Francisco Ludovino Cleto Garção de seu verdadeiro nome, Nicolau Saião é poeta, publicista, tradutor, dramaturgo, declamador e artista plástico, natural de Monforte. Reside em Arronches, no “Alentejo cercada”. Foi um dos responsáveis pela Biblioteca da Casa José Régio em Portalegre. Voz que vem do surrealismo português, foi Prémio Nacional de Revelação de 1990. “ibn Mucana” publica dois poemas de Nicolau Saião inseridos em “Escrita e o seu contrário” que, com humor, estão numa tradição da Literatura portuguesa – de Barbosa du Bocage, António Boto até E. M. Melo e Castro de “Caralhamas”, o vernáculo não se assusta quando a crítica social o exige.

DOIS  POEMAS  DE  “ERÓTICA  LEXICON”

O PANELEIRO

Digam, vá: o panasca. A sorte que ditou
a minha trajectória    não ofende o percurso
da pura anatomia das minhas partes
altas. Volutas de ADN
murmúrios roucos do anoitecer da carne
- a mão e o dedo preparados
e a relação da boca em todas
as situações incontornadas  -  me sustentam.

Panasca é pois meu nome
- a exacta honra de no cu levar,
que não me quero gay ou pisaflores
e muito menos veado ou maricon. Panasca
- sagrado nome que aos pátrios sítios
me devolve em ternura
na galhardia duma história inteira
de enrabados heróis.
Conheço os continentes, sei em que ilhas
e em que planuras a moca se transforma
em rios    mares de desejos e de amores   
por trás da descoberta.
Conheço o doce  e amargo de ser puta
de marinheiros   soldados    motoristas
(e de outros que não digo).

Pois panasca é que sou
até ao fim da vida    até ao fim do sonho.

E assim me ergo    soberano
tão íntegro e sereno
fraterno    entesoado
- ante vós    que não ides p’ró caralho.


O CABRÃO

Por mim me inclino com minha fronte
imaterial
flores que em volta me coroam até
ao ombro
até à simples alma de uma razão rasteira
de me saber cornudo, de topar
os rastos duma foda alheia
que o século me deu decifrada e cheia
de risadas de gozo.

Por essas ruas vou
cabelo ao vento
que o chapéu já me pesa na galhada testa
e vejo as árvores, os lugares de espanto
e a raiva vicejada no escuro dum quarto

De punhetas me tenho de enfeitar
pois já cona não tenho (ou tenho em falso).

Aos deuses eu empresto
meu funesto perfil
p’ra que saibam  tecer
seus próprios fastos.
E se touro já sou
minotauro me quero
para vingar a sorte

de um fodido destino.

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