quinta-feira, 30 de agosto de 2018

[0027] A poesia de Fernando Fitas


Alentejano (de Campo Maior), Fernando Fitas é poeta e foi jornalista, com os Prémios Agostinho Neto (1999), Prémio de Poesia Cidade de Moura (1999), Prémio Raúl de Carvalho (2000), Prémio de Ficção e Poesia de Almada (2013 e 2014) e Prémio de Poesia Cidade Ourense (Galiza, Espanha, 2017). Companheiro dos cantadores da resistência, registamos aqui três poemas inéditos seus:


A MEMÓRIA FUGIU-TE 
A Alexandre Castanheira, amigo e camarada de várias jornadas

A memória fugiu-te e tu não deste conta,
ave desabitada no coração da árvore
sem sitio onde estender o voo de suas asas.
Companheiro de ofício, que fizeste às palavras,
essa ilha sem água que morava no olhar
entregando aos alunos um mar de eternidades?
Não te exiles ainda no lago do vazio,
onde as chuvas aguardam
a chegado dos barcos que não sabem de rios.
Lembra-te que anda um verso dançado junto aos lábios
que exige o declames.
Há um poema à espera do eclodir da festa
e flores que ao silêncio vão extrair seu perfume.
Fala-me de um país disponível à luz
que tece em suas mãos o enxoval de ausências
bordando sobre a pele recordações e afecto.


A REVOLTA ENTRE OS DEDOS

Espectadores da morte, ultrapassaremos as fronteiras do medo,
convictos de que as intifadas nascem subitamente  entre a ponta dos dedos
afirmando dizeres que perderam o nome,
porque o que nos usurpam jamais pode ter nome,
a não ser que se chame barbárie ou genocídio
de alguém que apenas quer a pátria de uma pátria.
Ninguém pode encerrar o lume numa lâmpada.
Da mesma forma que ninguém pode expulsar-nos
do chão que nos pertence.
Por isso aqui estaremos. Por isso é que aqui estamos.
Não morremos ainda nas pedras que lançamos
e contudo sabemos  que nunca saberemos
o tempo que nos resta,
as lutas que nos esperam,
até que a luz se acenda sobre Jerusalém e o Monte Sinai.


QUOTIDIANO

Quando um cão nos cai em cima, uma matilha late;
do céu desce a sombra de um ladrar ferrando- nos a carne
e o ganir das dentadas afugentando a(s) defesa(s) da presa.
Então, como escapar ao rosnar que os ossos mais incitam
no focinho de canídeos tão sedentos de sangue?
Talvez, também, mordê-los. Até que os deuses venham,
inevitavelmente, acudir a seus uivos.

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