quarta-feira, 29 de agosto de 2018

[0020] Rui Costa, poeta a não esquecer

Rui Filipe Morais Aguiar da Costa, conhecido simplesmente por Rui Costa, pereceu em Janeiro de 2012 nas águas do rio Douro (ignora-se o que aconteceu: acidente ou suicídio?). Nasceu em 1973. Advogado e poeta, recebeu os Prémios Albufeira de Literatura e Daniel Faria de 2005. Da sua obra (poesia, teatro e romance) destacam-se “A Nuvem Prateada das Pessoas Graves”, “O Pequeno-Almoço de Carla Bruni”, “As Limitações do Amor são Infinitas”. De linguagem metaforicamente rica, o seu desassossegado espírito traduzia-se numa escrita que, nas suas palavras, punha as “coisas fora do lugar”. Aqui o recordamos com dois dos seus poemas:

J.

Na bicicleta tão pequena tu eras grande
demais. Saltando muros, levantando a
roda, até os meus tios vinham ver-te
às voltas no terreiro de asas nas rodas
e jeito tão azul. Mas um dia
ganhei-te na corrida. Tu sorriste,
deste-me piratas e eu nunca soube bem porquê

Mas não foi por causa disso que morreste.
Um dia de manhã os teus pés parados sem saber.
Morreste nesse dia e eu nem sequer
chorei. Não é preciso, amigo.
Chegaste primeiro desta vez. És o maior:

A morte é uma bicicleta, tenho
a certeza disso.


A selva é redonda

Os macacos comem bananas porque
era a fruta que tinham mais à mão.
Se tivessem à mão morangos, os
macacos comeriam na mesma bananas
porque os morangos são muito difíceis de
descascar. As bananas são comidas por
macacos porque são os animais com mais
mãos que têm ali à mão. As bananas não
têm  mãos mas têm casca, que é uma espécie
de mão à volta da banana. As bananas prefe-
riam ter mãos mas saiu-lhes antes casca.
Ser casca não deve ser fácil, passar a vida
a ser deitado fora. Os árbitros de futebol
têm duas mãos, uma para cada cartão.
Os macacos também arbitram as bananas
comendo-as. Os macacos não mostram
os cartões às esposas. Preferem seduzi-las
usando a inteligência. Não sei como vim
parar à selva. Talvez tenha corrido demais
atrás da bola.

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