sábado, 12 de fevereiro de 2022

[0757] Nicolau Saião, ataca de novo (com levantamento de rancho)


LEVANTAMENTO DE RANCHO


O meu sargento desculpe mas ali não havia sonhos

Nem sequer daquele arroz que a prima Maria fazia

Doce como os sonhos o meu sargento desculpe

Mas é tão estúpido tão escalabitano tão

A norte de Bafatá ou mesmo 

Castelo Branco o meu sargento é um nabo

Sonhos de ovos em castelo misturados na farinha

O meu coronel desculpe mas tive de o abater

O gajo não entendia que os sonhos eram os outros

Eu não ia gastar na tropa recordações de noites várias

E já agora também lhe digo que na bolanha entre as árvores

Há um ar em silencio extremamente melancólico

O meu capitão desculpe mas não chamei a amargura

De quando conheci a Domingas uma vez encontrei-a

Já havia muitos meses que me lavava a roupa

Junto ao mercado do Pixiguiti   chorava

Era sofrida como uma mulher

Doce e tão calada como um objecto partido

O meu capitão desculpe mas tive que o abater

É uma coisa que me chateia entrarem-me nos afectos

O que é que você sua besta sabia da ternura em comissão

De serviço   o senhor que olhava de alto os taratas e os mancarras

O meu major desculpe mas era chegada a hora 

Tantos anos depois ficaram todos em fila

A vingança é o que mais mora numa cabeça de soldado

Pensa-se nisso sempre quando se passa à peluda

De modo que foi assim   fiz levantamento de memórias

E o melhor de tudo foi que já não me podiam tocar

Eram nabos frios como o esparguete o arroz sensaborão

Ficaram todos em fila pois então

Mesmo que em sonhos   e agora estes não são

De ovos e farinha como almejava nesse tempo

Quando aguardava sem chegar uma encomenda familiar

Os olhos antigos tão fundos como o pego do rio Geba

E já agora que estamos com a mão na outra massa

Que é como quem diz com a pata na G3

O meu general vá à fava   palavra de civil tão sem galões

O meu general é um nabo como na caserna se dizia.



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