quinta-feira, 22 de novembro de 2018

[0437] Luís Filipe Maçarico, o cântico alentejano


Luís Filipe Maçarico nasceu em Évora em 1952. Antropólogo, escritor, ensaísta e poeta, é um especialista na presença muçulmana em Portugal. Foi dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Câmara Municipal de Lisboa, um dos fundadores do Círculo Cultural e Artístico Artur Bual e da Associação A Aldraba  (a cuja direcção presidiu).


REQUIEM POR UM CHOUPO

Era uma cidade com aromas de viagem,
Aquela onde um dia fui criança,
Esta noite estrangularam outra árvore habituada
A ver-me passar, e ninguém se importou com o assunto.
E eu que varri muitas folhas derramadas dessa farta
cabeleira num Outono já distante estremeci
com o ruído seco do velho choupo a morrer.
Aconselharam-me a ficar calado: Não há tempo para escutar
canções de melros entre ramagens.
Mas sou teimoso! Ridículo é aceitar que o alcatrão
vença e os anestesiados se dirijam cada vez mais velozes
para a sua verdade infeliz!
Então peguei no meu caderno de emoções
e escrevi com uma lágrima de raiva:
Quando a cidade não ama
As suas árvores, que medalha
deverá um Poeta pôr no peito
dos que a governam?


ALENTEJO

Alentejo terra de vento e silêncio
onde o Homem semeia a Palavra
Alentejo terra de sonho e sofrimento
onde o poema tem sede de flores
e rios. Como quem faz um pão,
escrevo à sombra das tuas oliveiras.


E canto o voo altivo das cegonhas.
Esta leveza de viver em ruas brancas...


NO CRIPTO-PÓRTICO DE MÉRTOLA

I
Quantos ditosos
trazendo flor de oliva
em seus cabelos
provaram do teu pão,
ó prodigioso celeiro?

II
Quantas bocas sarracenas
se dessendentaram
em tua água silvestre,
ó rumorosa cisterna?

III
Quanta fatal decisão
em nome da Santa Cruz
no teu ventre vazou
proscritos,
ó sombria prisão?

1 comentário:

  1. Amigos: Grato por esta divulgação. O primeiro texto foi também o meu primeiro poema na Net, colocado por um então colega da CML, que já percebia de computadores mas redigia com erros, mesmo copiando dos poemas originais, como foi o caso (e a transcrição, o chamado copy paste induz a pensar que ao fazer esse poema escrevi erradamente a palavra viagem.) Peço então que seja corrigido. Em vez de "Era uma cidade com aromas de viajem," por favor substituam por viagem a palavra que o dito senhor escreveu em mau português. Bem hajam. Grande Abraço.

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