Henrique Risques Pereira nasceu em Lisboa em 1930 e faleceu nesta cidade em 2003. Engenheiro civil, desenhador e poeta, integrou o Grupo Surrealista de Lisboa. Com o falecimento do seu grande amigo António Maria Lisboa em 195, retirou-se da actividade artística. Após a sua morte, foi publicada a sua obra poética.
UM GATO PARTIU À AVENTURA
As palavras de vidro que tu depões em teus seios, para me ofereceres, raspam /estridentes na camada inacessível dos meus olhos;
Caem e eu sonho para espalhar plumas nos espaços;
Trago na mão esquerda, hermética, fechada duramente, as delicadas linhas epidérmicas,
Leio nesse rendilhado de sensações o roteiro da minha viagem livre, o meu voo /solitário, que eu inicio saltando dos telhados para as janelas;
É na abstracção hipnótica do rosa íris que eu te vejo acompanhar a estranha aventura /dum albatroz,
E é ao cair da noite que eu aceno longamente os meus braços;
É na harmoniosa vibração azul que eu transmito o Sol vermelho do poente e da tristeza, /e , quando as minhas mãos se transformam em pérolas puras, os teus olhos gelam para /serem os gigantes da noite;
Livre um gato desliza pela goteira escura da cidade,
livre uma pequena ilha nasce no ponto ignorado do Oceano,
livres as ondas escorregam na superfície marinha,
livres os pássaros e os cavalos na noite da lua encarnada,
livre eu chamo-te dos cumes das serras,
livres as ondas os cavalos e os pássaros;
Abandono a terra da ilha para viver nos abismos, nas cidades que crescem, nos beijos /que enchem o vento,
E oiço a imensa máquina que esmaga o ferro da estrada construída, a cortina sedosa dos /teus cabelos, eu e tu,
e vejo o cego que avança com os braços levantados para o mundo incompreensível,
e liberta os corpos visíveis: os teus lábios, os teus seios, o teu sexo; e mães batem às /janelas e imploram: LAMA!,
A um canto morre em agonia o primeiro grito;
O gato parte à aventura pelos telhados, pelos vales e pelos sonhos.
POEMA
Sinto os desertos ondulados
e a tua carne,
desejo o céu cristalino
e os teus olhos.
Admiro o crepúsculo acre
e os teus lábios
e vivo em noite na magia
do desespero de quem sabe
que o amor se conta em anos de morte
e sabe que há um sinal
que marca a ruína infalível para a qual escorregamos
a sonhar o enigma das torres que emigram
presas a fios de aço
e que partem com o pensamento
em todas as direcções.
Para sempre e sem memórias.
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