João Lúcio Pousão Pereira nasceu em Olhão em 1880 e aí falecido em 1918 (epidemia da gripe pneumónica). Advogado, deputado franquista (abandonou a actividade política com a implantação da República, em 1910) e poeta decadentista da “Renascença Portuguesa”, fundador do jornal “O Reino do Algarve” e director literário do semanário “O Sul”. Era sobrinho do pintor naturalista Henrique Pusão, nascido e precocemente falecido em Vila Viçosa.
Há tanta sensação que não conheço,
tanto vibrar de nervos que não sinto,
e, contudo, parece que os pressinto,
apesar de ver bem que os desconheço.
A sensação que tem, à noite, o ar.
quando o orvalho o toca, em beijos de água
é, porventura, irmã daquela mágoa
que sente, quando chora, o meu olhar?!
Tem, porventura, alguma semelhança
a sensação de um cravo numa trança
com a ânsia de quem morre afogado?
E fico-me a pensar o que sentirá
uma vidraça quando o Sol que lhe dá
e a rasga a mão da luz, de lado a lado?
A PAIXÃO DA COR
a Manuel Teixeira Gomes
Cor, filha da Luz, é uma língua em tons
Que fala, sem rumor, á curva da retina...
Como há para o ouvido a palavra e os sons,
Nasceu para o olhar esta harmonia fina.
Escorre sobre o campo, empapuçando tudo
N'um brilho rumoroso, ardente de alegrias;
Palpita nos cetins, ondula no veludo
E fulge encarcerada em finas pedrarias.
Em toda a parte põe a aza transparente:
No mar, nos vegetais, nos montes, nos palores...
No nosso sangue a Cor murmura intensamente,
Sugam-na p'los jardins as sequiosas flores.
Faz o cenário rubro e amplo da alvorada,
Espalha pelo Ar um pó alado e loiro,
Torna a água do mar suave e azulada
E talha, no poente, arquiteturas de oiro.
Sonoramente vibra, em rubro, sobre os cactos:
Tem um ar de saudade, em roxo, nas violetas:
É meiga no azul dos lagos e regatos,
As azas de cetim salpica ás borboletas.
Ululou no pincel estranho de Rembrant,
O trágico da tinta, Ésquilo da pintura;
Foi triste e dolorosa em Cano e Zurbaran
E em Rubens tomou idílica frescura.
Com Velasques criou rajadas de epopeia
E em Raphael foi d'uma doce grandeza;
Miguel Ângelo pôs a Cor d'assombros cheia
Por forma que excedeu até a Natureza.
Murillo fê-la erguer, celeste e amorável,
Ao lirismo ideal da mística doçura,
Mergulhava o pincel fino e admirável
Dentro do coração, p'ra embebê-lo em ternura.
Oh Cor, que vais correr pelas veias das flores,
Voluptuosa cor que adora o algarvio,
Que fostes muita vez, em ardentes amores,
O colo desnudar nos braços de meu tio.
E porquê? Que razão nos acorrentará
Ao teu manto brilhante, ao teu manto fulgente?!
A volúpia, talvez, que dentro de ti há,
Minha linda pagã, sensual e ardente!
O MEU ALGARVE
Romântico torrão de doidas fantasias,
Namorado gentil, sensual e troveiro,
Onde o luar se orquestra em novas harmonias
E faz de neve em vez das neves de Janeiro…
Terra dos figueirais e das vinhas Formosas
Do luar novelesco, embriagante, albente,
Onde o Sol sensual cansa os nervos das rosas,
Numa volúpia de oiro intensa, absorvente…
Costas do meu Algarve, onde é tão terno o mar,
Dum veemente azul em ritmos de veludo,
Com neblinas de prata, ao nascer do luar,
Espumantes de luz, quando o sol cobre tudo
Tu vais cantar de noite à beira dos moinhos,
Das colinas, dos cais, das praias murmurosas,
Para embalar o sono às aves nos seus ninhos
E para destruir a insónia das rosas…
Quando perto de ti as namoradas choram,
Meu belo aventureiro azul, vais consolá-las;
Por isso, lindo mar, elas tanto te adoram:
Abrem-te o coração, sempre que tu lhes falas…
Tu vais adormecer sobre o barco, cantando,
O pobre pescador cansado de remar…
Pra poderes tornar o seu mais brando;
Nem o barco, sequer, lhe fazes oscilar…
Tu vais fazer vibrar as pequeninas ilhas,
Emergindo de ti, brancas, silenciosas,
Na melodia azul das vagas e das quilhas
E das velas correndo, alvas e luminosas.
Vais fazer latejar, numa glauca harmonia,
As rochas junto a ti erguidas e soldadas,
Meu lindo mar do Sul, oh mar da Fantasia,
Da Aventura, do Amor, da Lenda e das Baladas!
Luar do meu Algarve, imaculado e fino,
Luar fluido, de neve, opalas e jasmins,
Romântico luar, transparente e divino,
Que inundas de Quimera as áleas dos jardins
Cai-me sobre o olhar: banha-me em teu fulgor,
Oh sol que pões no Céu um latejante azul:
Dá-me a tua alegria e dá-me o teu vigor,
Oh sol, imortal sol, do meu país do Sul…
Eu amo a vossa cor, o vosso brilho forte,
A fecunda alegria que de vós se evapora;
Detesto a palidez que cobre os céus do norte,
Onde a Cor se desbota e onde a Luz se descora.
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