António Pereira Nobre nasceu no Porto em 1867 e faleceu também no Porto em 1900. Poeta decadentista, ultra-romântico, a tuberculose, que o vitimou, obrigou-o a percorrer sanatórios na Suíça, Nova Iorque, Madeira e Lisboa. De certa maneira foi um pré-modernista, rompendo (com a sua coloquialidade) com os cânones simbolistas
VOU SOBRE O OCEANO (O LUAR, DE DOCE, ENLEVA!)
Vou sobre o Oceano (o luar, de doce, enleva!)
Por este mar de Glória, em plena paz.
Terra da Pátria somem-se na treva,
Águas de Portugal ficam, atrás.
Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
António, onde vais tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.
Ó Lusitânia que te vais à vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catrineta, adeus!
Paquete, meu Paquete, anda ligeiro,
Sobe depressa à gávea, Marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!
VAIDADE, TUDO VAIDADE!
Vaidade, meu amor, tudo vaidade!
Ouve: quando eu, um dia, for alguém,
Tuas amigas ter-te-ão amizade,
(Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.
Vaidade é o luxo, a glória, a caridade,
Tudo vaidade! E, se pensares bem,
Verás, perdoa-me esta crueldade,
Que é uma vaidade o amor de tua mãe...
Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna
E eu vi-me só no mar com minha escuna,
E ninguém me valeu na tempestade!
Hoje, já voltam com seu ar composto,
Mas eu, vê lá! eu volto-lhes o rosto...
E isto em mim não será uma vaidade?
QUANDO CHEGAR A HORA
Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abade,
Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, ali, uma cova á vontade,
Olhe: eu mesmo lh'a meço...
O coveiro é podão, fá-las sempre tão baixas...
O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a prática das sachas,
Que m'a venha ele abrir.
E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
Que toque a Aleluia!
Não me diga orações, que eu não tenho pecados:
A minha alma é dia!
Será meu confessor o vento, e a luz do raio
A minha Extrema-Unção!
E as carvalhas (chorai o poeta, encomendai-o!)
De padres farão.
Mas as aguias, um dia, em bando como astros,
Virão devagarinho,
E hão-de exumar-me o corpo e leva-lo-ão de rastros,
Em tiras, para o ninho!
E há-de ser um deboche, um pagode, o demónio,
N'aquele dia, ai!
Aguias! sugai o sangue a vosso filho António,
Sugai! sugai! sugai!
Raro têm de comer. A pobreza consome
As aguias, coitadinhas!
Ao menos, n'esse dia, eu matarei a fome
A essas desgraçadinhas...
De que serve, Sr. Abade! o nosso pacto:
Não me lembrei, não vi
Que tinha feito com as aguias um contrato,
No dia em que nasci.
OS FIGOS PRETOS
- Verdes figueiras soluçantes nos caminhos!
Vós sois odiadas desde os séculos avós:
Em vossos galhos nunca as aves fazem ninhos,
Os noivos fogem de se amar ao pé de vós!
- Ó verdes figueiras! ó verdes figueiras
Deixai-o falar!
Á vossa sombrinha, nas tardes fagueiras,
Que bom que é amar!
- O mundo odeia-vos. Ninguém nos quer, vos ama:
Os pais transmitem pelo sangue esse odio aos moços.
No sitio onde medrais, há quase sempre lama
E debruçais-vos sobre abismos, sobre poços.
- Quando eu for defunta para os esqueletos,
Ponde uma ao meu lado:
Tristinha, chorando, dará figos pretos...
De luto pesado!
- Os aldeões para evitar vosso perfume
Sua respiração suspendem, ao passar...
Com vossa lenha não se acende, á noite, o lume,
Os carpinteiros não vos querem aplainar.
- Oh cheiro de figos, melhor que o do incenso
Que incensa o Senhor!
Pudesse eu, quem dera! deitá-lo no lenço
Para o meu amor...
- As outras arvores não são vossas amigas...
Mãos espalmadas, estendidas, suplicantes,
Com essas folhas, sois como velhas mendigas
N'uma estrada, pedindo esmola aos caminhantes!
- Mendigas de estrada! mendigas de estrada!
E cheias de figos!
Os ricos lá passam e não vos dão nada,
Vos dais aos mendigos...
- Ai de ti! ai de ti! ó figueiral gemente!
O goivo é mais feliz, todo amarelo, lá.
Ninguém te quer: tua madeira é unicamente
Utilizada para as forcas, onde as há...
- Que más criaturas! que injustas sois todas
Que injustas que sois!
Será de figueira meu leito da bodas...
E os berços, depois
- Trágicas, nuas, esqueléticas, sem pele,
Por traz de vós, a lua é bem uma caveira!...
Ó figos pretos, sois as lagrimas d'aquele
Que, em certo dia, se enforcou n'uma figueira!
- Também era negro, de negro cegava
O pranto, o rosário,
Que, em certa tardinha, desfiava, desfiava,
Alguém, no Calvário...
- E, assim, ao ver no outono uma figueira nua,
Se os figos caem de maduros, pelo chão:
Cuido que é a ossada do Traidor, à luz da lua,
A chorar, a chorar sua alta traição!
- Ó minhas figueiras! ó minhas figueiras
Deixai-o falar!
Oh! vinde de aí ver-nos, a arder nas fogueiras
Cantar e bailar...
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