segunda-feira, 8 de outubro de 2018

[0256] De novo, Olinda Beja


A santomense Olinda Beja regressa a este portal com a sua poesia leve-leve como a beleza da sua ilha. É a assunção da sua lusofonia que já mereceu a justa distinção nos países irmãos, que a comungam. “Ibn Mucana” honra-se em recebê-la.


MÃOS

límpidas mãos que na noite se erguem
pedintes de óbolos que outras mãos espargem

na rota do sândalo buscam essas mãos
a essência pura de África milenar

mãos esguias rudes mãos pretas de cor
lívidas de pensamento
doridas mãos que embalaram sóis
e luas e estrelas
e vidas sem porvir
mãos que desenharam rostos e palavras
e todas as cores das aves solitárias
mãos que colheram café e gengibre e fruta-pão
mãos doces como mel de abelhas em cresta de junho
profundas e místicas como amêndoas do Shara
mãos que acenderam lamparinas
para varrer da noite a escuridão
mãos que adormeceram como borboleta
em cima de uma flor
mãos de avó, de mãe, de irmã
mãos de todas as mulheres que carregam nas costas
a imortalidade do universo
para vós este poema
perfumado de cajamanga


SEM TÍTULO

o sol vai espreitando envergonhado
por entre as cortinas do meu peito
estreito
velho
cansado
o sol não quer entrar   apenas
aquecer e bordejar
os meus poemas

o sol é o mais fiel entre os fiéis
enquanto eu escrevinho nos papéis
que me servem de arrimo e confidência
ele sorri
finge que parte... mas não parte
e assim vai minorando a ausência
que me avassala e me desflora

tal como um gamo que à corça se declara
almiscarando a folhagem de uma floresta rara
o sol ainda me espera
ainda me chama

raramente vai embora!


RAÍZES

Há rumores de mil cores enfeitando o espaço
de gorjeios infantis
transportando aquele abraço de árias juvenis
árias que perduram na mensagem
da nossa voz e da nossa imagem.
São rumores de tambores
repercutindo a esperança de olhares inquietos
toada de lembranças
liturgia de afectos.
São rumores maternais
presos à terra que nos diz
que só o maior dos vendavais
arranca da árvore a raiz.


GERMINAL

Ó minha ilha queimada pelo sol
pelas lágrimas do vento que escorreram
das escarpas e das vidas de teus filhos
em ti repousam as cinzas das esperanças
que outrora viveram no leito de teus rios
Malanza, Manuel Jorge, Contador, Cauê...
Em ti germinam vidas repassadas
de lua e sol no cais do sofrimento
que as âncoras da vida vão soltando!
Ó minha ilha adocicada pela chuva
lacrimejante e pura batendo na sanzala
de todos os ilhéus sequiosos de amanhãs.

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