A santomense Olinda
Beja regressa a este portal com a sua poesia leve-leve como a beleza da sua
ilha. É a assunção da sua lusofonia que já mereceu a justa distinção nos países
irmãos, que a comungam. “Ibn Mucana” honra-se em recebê-la.
MÃOS
límpidas mãos que na noite se erguem
pedintes de
óbolos que outras mãos espargem
na rota do sândalo buscam essas mãos
a essência
pura de África milenar
mãos esguias rudes mãos pretas de cor
lívidas de
pensamento
doridas mãos
que embalaram sóis
e luas e
estrelas
e vidas sem
porvir
mãos que
desenharam rostos e palavras
e todas as
cores das aves solitárias
mãos que
colheram café e gengibre e fruta-pão
mãos doces
como mel de abelhas em cresta de junho
profundas e
místicas como amêndoas do Shara
mãos que
acenderam lamparinas
para varrer
da noite a escuridão
mãos que
adormeceram como borboleta
em cima de
uma flor
mãos de avó,
de mãe, de irmã
mãos de todas
as mulheres que carregam nas costas
a
imortalidade do universo
para vós este
poema
perfumado de
cajamanga
SEM TÍTULO
o sol vai espreitando envergonhado
por entre as
cortinas do meu peito
estreito
velho
cansado
o sol não
quer entrar apenas
aquecer e
bordejar
os meus
poemas
o sol é o
mais fiel entre os fiéis
enquanto eu
escrevinho nos papéis
que me servem
de arrimo e confidência
ele sorri
finge que
parte... mas não parte
e assim vai
minorando a ausência
que me
avassala e me desflora
tal como um
gamo que à corça se declara
almiscarando
a folhagem de uma floresta rara
o sol ainda
me espera
ainda me
chama
raramente vai
embora!
RAÍZES
Há rumores de mil cores enfeitando o espaço
de gorjeios infantis
transportando aquele abraço de árias juvenis
árias que perduram na mensagem
da nossa voz e da nossa imagem.
São rumores de tambores
repercutindo a esperança de olhares inquietos
toada de lembranças
liturgia de afectos.
São rumores maternais
presos à terra que nos diz
que só o maior dos vendavais
arranca da árvore a raiz.
GERMINAL
Ó minha ilha queimada pelo sol
pelas lágrimas do vento que escorreram
das escarpas e das vidas de teus filhos
em ti
repousam as cinzas das esperanças
que outrora viveram no leito de teus rios
Malanza,
Manuel Jorge, Contador, Cauê...
Em ti
germinam vidas repassadas
de lua e sol
no cais do sofrimento
que as âncoras da vida vão soltando!
Ó minha ilha
adocicada pela chuva
lacrimejante e pura batendo na sanzala
de todos os
ilhéus sequiosos de amanhãs.
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