terça-feira, 9 de outubro de 2018

[0257] Francisco Weyl, a estranha poesia de Marambaia


Francisco de Assis Weyl Albuquerque Costa, que também assina com os nomes de Teyrò Kàrpyn, Carpinteiro de Ogun ou Carpinteiro de Poesia, nasceu em Bragança do Pará. Poeta,  pesquisador, realizador de cinema, professor (leccionou na cidade da Praia, Cabo Verde) e actualmente vive no Porto. É director na "Tribuna do Salgado", chefe executivo do FICCA (Festival Internacional de Cinema do Caeté).


GRAAL

O lugar pode ser em qualquer lugar
em que esteja o nosso pensar.
Onde quer que estejamos
é lá o lugar do lugar.
E  lá também haverá de ser
o nosso lugar.
Porque o lugar
não é em nenhum lugar.
O lugar é dentro de nós.
Mas, ao partirmos deste lugar
também o transportamos conosco.
Porque lá estarão as nossas partes
e todos os nossos todos.
O lugar é o nosso lugar volátil.
(Sempre desejei sentar-me à varanda
e escrever um poema a olhar este rio,
jamais o consegui, mas da última vez
que me deixei estar ali, eu o fiz).


POEMA RECICLÁVEL 
                 
                    Para Marivana

O ser humano por qualquer motivo ou por nenhum aparente
Se desprendeu da rocha seguiu em frente
Seguiu andando
E eu diria ainda que este Ser
É o alter-ego da rocha
E que a sua explosão ou erosão
Nada mais são
Que a sua própria dor
De não mais Ser
A rocha que outrora fora
Mas que apenas no seu sonho
Ele ainda a é
Daí ao Ser o seu eterno retorno
Ao pó
Ao próprio Ser
Em ciclos cósmicos
Que ele percorre em seu inconsciente
E quanto mais o Ser acrescenta
Mais ele retira às coisas do Universo
Sendo pois preciso fazer um verso
Que semeie a senda
Por entre leras e beiras
Temporais, intempéries, e sais
Minhocas e bactérias
E todos esses bichos
Que fazem deste ciclo
A grandeza mais que infinita
Das almas dedicadas
Às suas próprias naturezas.


TROVA BENEDITINA

Oh! Meu Santo Benedito!
Protegei teu povo aflito
Do desvio dos políticos.

Oh! Meu Santo Bendito!
Iluminai teus filhos sofridos
Para que eles vejam
A injustiça dos bandidos.

Oh! Meu Santo Protetor!
Dai força à resistência
Deste povo trabalhador
Que te louva com tanto amor.

Este povo pescador,
E este povo roceiro,
Que ara a terra o ano inteiro.
E te segue com fervor.

Oh! Meu Santo Preto!
Clareai a cegueira dos brancos
Para que nunca mais
Humilhem os negros-santos.

Oh! Meu Santo Cozinheiro!
Dai terra a quem não tem
Nenhum vintém.

A quem não tem mais esperanças
Além das suas próprias andanças
Neste mundo de errâncias.

Oh! Meu Santo da Cura!
Fazei-me candura
Desde a semeadura
Para que a colheita
Seja farta de doçura.

Oh! Meu Santo Amado!
Fazei-me um navegador
Sem medo dos naufrágios.

Fazei-me aves
Por sobre todos os mares.

Oh! Meu Santo-Menino!
Fazei-me um peregrino
Das estradas e caminhos.

Oh! Meu Santo Bené!
Dizei-me se Maria e José
Abençoam a minha Fé!

Oh! Meu Santo Sagrado!
À noite, quando Rezo
Digo à Deus
Muito Obrigado!

E de manhã quando acordo
Sinto a vida renovada
Como uma grande revoada
De guarás em meus quintais

Ajuruteua nos meus sonhos
Me banha nesses encantos
Onde passeia meu espírito
Até os portais do infinito

Oh! Meu São Benedito.
Dizei-me uma só palavra
Para que meu poema
Tenha a marca da tua pena

E que a minha alma
Lavrada seja
pela tua Paz.

Oh! Meu Santo Belo!
É tua a Luz que me conduz.
Tal qual um Preto Velho,
Exu e Menino Jesus.

Oh! Meu Santo do Caeté!
Que teu Rio me lave
E me torne leve
E ainda mais forte a minha fé.


POEMA PETRIFICADO

                    Para Edileuza Coelho

Teu peito de aço estilhaçado,
espelho revelado em meu rosto mascarado
reflete esta arma disparada
como espada
atravessada em lâmina apunhalada

Tua boca mordida, cintilante
de amante enlouquecida em saraus e madrigais

São esses cabelos negros
que encobrem a tez nos dias de inverno
em que a tua ânima me aquece

E eu que nunca te beijei
mas te desejo como um fogo aceso
num jardim outonal?

Branca e serena tal poço de um poema
neste vulcão que engole as próprias lavas

Disseco tuas palavras amaldiçoadas pelos Deuses
e a eles imploro
que te deixem em paz

Mas eles não escutam minhas aflições
e nem seus olhos alcançam os horizontes de meus delírios

Então eu grito ao teu ouvido
mas nem tu escutas esta minha ausência
de Ser metafísico

Oh, amada,
desesperada, alucinada, de mãos delicadas,
encravadas na poesia

Que Eros te deite seminua em meu leito
até que a Lua afague
a última gota de orvalho

E o sol apague em nossos olhares
a humanidade
que se faz tarde em madrugar

Mas eu me recolho no escuro
a tatear tua epiderme
e caio no fosso de teu corpo

E atravesso as camadas de tua carne
tornando-me sangue de teu sangue de poeta
Desventro com a lâmina cega
até que o âmago decomponha
um a um de nossos versos

E deles brotam pálpebras impúberes,
Exus-Mirins à deriva nos terreiros querubins

Batuco ancestralidades
em silêncio
enquanto transcendo ritos em que medito por ti

Não há dor nem esperanças
entre as fronteiras das cidades cinzentas
Nem guerras ou acordos
que nos desterrem para além de nosso lugar

É aqui dentro desta força que nos é superior
onde nasce o amor que nos socorre

Náufragos atormentados
em tempestades
num mar de desesperos e solidões
Onde a tragédia faz nascer
os sentimentos dos mais nobres de nosso tempo


PARA TUDO QUE BRILHA

Para tudo que brilha, o encontro.
Das coisas todas que o ladrão roubou apenas uma ele não poderia ter levado.
Ele até já está perdoado, mas, meu coração, dilacerado.
Não me sinto magoado, a cidade estava alagada, demasiado.
Era muita energia a emergir, energia a se esvair.
Uma luta entre forças, e eu por entre elas.
O que me movia também me paralisava.
Eu andava e corria, gritava e tremia.
Suava e sorria, então, um poema eu dizia.
Sei poucos de cabeça, já dei muitas cabeçadas nesta vida.
Perdia poemas e crias, cães e companhias.
Sentirei saudades da pequena escultura em chumbo de Seu Zé Pilintra.
Entre a tua Luz e a Luz do outro, você se descobre senhor do seu corpo.
Não são as certezas que nos sustentam, mas os (seus) processos e os (seus) sentidos.
É ilusório pensar que se pode controlar as  relações entre corpos e mentes.
Eu quero ser o que ainda não sou, Eu-Sou o que EU-SOU.

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