quinta-feira, 4 de outubro de 2018

[0245] Vera Duarte, Cabo Verde no feminino


De seu nome Vera Duarte Lobo de Pina, desembargadora, é membro das Academias Caboverdiana de Letras, de Ciências de Lisboa, Gloriense de Letras e patrona dos Colóquios da Lusofonia. Foi Ministra de Educação Ensino Superior, presidente Comissão Nacional Direitos Humanos e Cidadania, Conselheira do Presidente da República e Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça. Recebeu os Prémios Norte-Sul DH do Conselho d`Europa (1995); Tchicaya U Tam´si de poésie africaine 2001 e SONANGOL 2004. Vem defendendo a valorização feminina na Cultura.


ACROBATA DA PALAVRA

Na natural solitude
da minha vida de errâncias
se esculpe a desesperante finitude
do meu ser nascido volátil

No vértice vertiginoso da vida
violenta, violentada, violada
inscreve-se minha mutante condição
de acrobata da palavra

                   E no sol poente
                             na lavra que lavro
                                     no vento que sopra
                                                   no pão & fonema
deixarei fluir as palavras
que alimentam a fome
do mundo que em mim habita


ROTAS E NAUFRÁGIOS

Oh fulas meus irmãos d´ África
Oh mandjacos meus irmãos africanos
Perdidos nas rotas do mundo
Um outro mundo buscando

Oh mandigas, oh balantas
Em vossa carne peregrina
Dolorosamente se inscreveu
A rota do meu sangue

E por destinos improváveis
Nas nossas veias se cruzaram
Todas as rotas do mundo

Um mundo de desesperos
   de naufrágios
                   e navios negreiros
                                  em lampedusas buscando
                                         a inglória salvação

Um dia talvez quem sabe
À volta de Madina Boé
Cantaremos cantigas de roda
E dançaremos os hinos da liberdade


PALAVRAS
                    a Nelson Mandela

Não quero esta angústia
que se amotina
e desagua
em adolescentes suicidas
pelo sida, pela fome, pela droga

Não quero esta dor
que me devasta
e dilacera
em mortes prematuras
pela guerra, pelo ódio, pelo crime

Quero construir amanhaceres
de luz
     onde os homens se olhem nos olhos
     e as mãos se afagam vigorosas

Quero construir entardeceres
serenos
      onde não haja explosões de bombas assassinas
      nem estertores de agonias várias

Persigo um sonho lindo
feito de coisas simples

       O meu sonho se chama gente
                 e palavras simplesmente

Palavras embriagadoras
       perturbantes
            madrugadoras
que circulam invisíveis
e se dão generosas

Palavras que brilham
   que criam e se alegram
        e juntas constroem
               a sagrada fraternidade

Persigo um sonho lindo
feito de coisas simples

O meu sonho se chama amor
       e multidões que sobem juntas
                as ladeiras da vida

Qual Zumbi dos Palmares
conduzindo seu povo
- negro e escravizado  -
pelos caminhos da libertação

Também tu Mandela
conduziste teu povo
- negro e oprimido-
numa longa marcha
em direção à liberdade

            Cumpriste assim o teu destino
                  nesse caminho dolorido
                      mas belo …
                              integro …
                                        justo …

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