quarta-feira, 5 de setembro de 2018

[0050] De novo, Luís Filipe Sarmento



Do seu livro ainda inédito “KNK”, este portal publica cinco poemas de Luís Filipe Sarmento. Voz de visita obrigatória, “ibn Mucana” orgulha-se de dar repetida guarida à produção deste poeta português. Sempre bem-vindo. (ver também post 0024, AQUI)

4.

Entende-se como antecipação de uma experiência em si:
resguarda o passo, efectua o gesto, a sensibilidade expõem-no
ao pensamento, alimenta o ensaio possível. O sorriso dilacera
a obscuridade, ilumina a ciência que expande o desejo previsto.
Na sua intimidade reserva-se a razão pura: o entendimento
que o faz acontecer, desbravando entranhas até ao núcleo
onde fragmentos se dissipam na unidade.
Cofre de ideias possíveis, a combustão do seu motor
põe em marcha o traço no espaço e no tempo, projectando-o.
A ideia de si e do mundo é a crença que o transfigura
em cada passo, transcende-se quando entende o cosmos em si.

5.

Sabe que tudo é formado por coisas simples
e nada simples é
tudo é necessário e mortal. Do dogma à crítica transcendente,
o fragmento da totalidade no espaço e no tempo
é o que se intui, nem olho de deus nem arquitecto do universo
nem ser necessário, nega a sua necessária existência.
A razão de ser de todas as coisas não é deus, talvez a coisa
não se demonstre por impossibilidade da sua nudez ideal.
Do natural defeito ao erro irracional,
a refutação de uma falsa origem, o buraco negro e o seu esplendor
imaginariamente artístico. Onde as periferias são sugadas
e aniquiladas por uma potência teórica
da qual pouco se sabe. O movimento, sem roda nem deus,
faz da expansão a sua existência comum num lugar a haver.   

6.

Que lugar tem a ciência no mundo transcendente?
Pensa na água e na matéria do planeta, no sangue
e na mãe-fenómeno, a extensão do real à dilatação
dos olhos, o deslumbramento dos líquidos veneráveis,
a varanda suspensa sobre as interrogações
que navegam nos abismos dos mistérios concedidos
à observação; pensa nas coisas em si, na sua fulgurância
fenoménica, o que dos enigmas apreende,
o inexplicável na orografia da ciência,
o paradoxo de ser subterrâneo e aéreo a um tempo desconexo.
A razão especula (e ele ri no sossego do seu desassossego)
o que à existência a impossibilidade nega à resposta:
se a alma existe na eternidade
e se deus não é um auto-retrato do medo.   

7.

A causa daquele olhar foi a minha distração;
não houve recepção à lucidez daquela presença.
Inconscientemente omisso do mundo, a única existência
na abstração era a arquitectura do edifício da palavra.
Saber e acção, sem a ilusão quotidiana de um olhar,
razão e manifestação da ideia, texto em carne viva,
o sangue nas entrelinhas, o pulsar do ser,
a teoria da existência única.
Talvez a percepção do teu sinal
me levasse ao conhecimento desse olhar que questiona
o homem absorto da realidade dessa existência
que poderia escrever a quatro mãos
o que o presente desconhece do futuro. 

8.

Se inventou sinais, criou-lhe uma teoria
para que o conhecimento fosse completando com razão
o que autentifica o ser e a sede de sair de si.
Entre as árvores o seu aposento,
talvez a explicação das folhas, das veias, da resina,
a incógnita dos céus, sendo seu habitante.
A priori o tempo e nele a casa habitada de interrogações,
da seara ao pão, da paisagem ao destino da fome,
o fogo da besta, a perversão da propriedade do espaço
e da fronteira. Instrumentos de matar
solidificam a aridez das memórias, o deserto da ignorância.
Exposição ao perigo, a experiência do aventureiro
que, em território desconhecido, se entrega
ao mistério e imediatamente não diz
o que a reflexão aconselha como prova de existência
na descoberta do que entende de si. 

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