terça-feira, 5 de outubro de 2021

[0746] Glosando o poema de Ruy Belo "oh as casas, as casas, as casas", Luís Palma Gomes oferece-nos este poema matinal


OH, AS MANHÃS, AS MANHÃS, AS MANHÃS


Oh as manhãs, as manhãs, as manhãs

são arpejos de chapins refletidos sobre os ribeiros,

camiões em trânsito trazendo e levando a claridade,

anseios ligeiros, quando os tempos são de invernia

As manhãs conhecem-nos nus e esfomeados

As manhãs são a esperança das noites

ou a angústia de quem se percebe vivo outra vez

Como louvam os pássaros as manhãs

enquanto se agitam as estradas tão estranhas

ao mar raso e coloquial

que entra sem rumor pela praia de Algés adentro.


Oh as manhãs, as manhãs, as manhãs

tem o sabor amargo do café

que sentimos nos cantos da boca,

quando a fala trôpega sacode o ar ainda frio

que se esgueira pela fresta da janela mal fechada

São um prenúncio das histórias mal-acabadas

São o fio da navalha, limite incerto entre a paz e o inferno,

o calor e a chuva inesperada, o desejo de um bolo

que não se come há anos

 Oh as manhãs, as manhãs, as manhãs.




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