CINZAS
(À minha mãe)
Foste frágil avezinha, saltitante
entre pétalas vermelhas de negra bomba,
caçula indefesa na selva inquietante
em tempos de fome, jogando à comba
Desabrochastes entre medos e alegrias,
no conforto da fé pueril e da mantilha
entre as gardénias de Machin e outras fantasias
dedilhaste paixões na tua guitarrilha
Moçoila atrevida – olé touro! - salerosa,
batom de sangue, rodopiando pela vida
rosa nos cabelos, morena misteriosa
desconcertante, recatada, explosiva.
Um dia encontraste-o. Deslumbramento!
Seguiste-o, cega, nos enleios do amor
apenas vendo rosas no caminho lento
pairando, sem sentir dos espinhos a dor
Despertaste do sonho num lar estranho
intrusa, estrangeira, incompreendida
lutaste, apagando as marcas do antanho
enquanto florescia em ti nova vida.
Já mãe, viveste alegrias e tristezas
na vida que pouco sorriu ao teu sonhar
Com as asas cortadas e poucas certezas
a esperança feneceu no teu olhar
Soltas amarras. Surge a Fénix ávida de vida.
Livre, perdeste o ter, ganhaste o Ser.
És mulher, mãe, companheira, amiga
e se soubesses lutar, poderias renascer.
Chegam os netos, promessas, esperança,
deleites renovados, sonhos e trabalhos.
Inexorável, castigador, o tempo avança
o corpo sente quando chega o orvalho.
A vida declina – onde estão as andorinhas?
Escoa-se o tempo. Azafamam-se as parcas.
Começaste a morrer no tempo das vinhas,
não quero que sofras não quero que partas.
A infame, chegou de mansinho... e te levou,
arrancando-te de meus braços, impotentes
e sem piedade o teu ser se transformou
nestas cinzas ainda quentes
7 de Março 2017
"Mother and Child", Mary Cassatt, c. 1889, CMA, EUA |
Sem comentários:
Enviar um comentário