Cristóvão Luís Neto nasceu em 1964 em Malange. Engenheiro, crítico literário e poeta. Na ex-URSS, colaborou activamente com o Núcleo local da Brigada Jovem de Literatura de Angola.
A ESCADA DO SUICÍDIO
Às vezes
um homem senta-se no chão
braços cruzados sobre a encruzilhada do destino
a terra ensopada de lágrimas a lamber-lhe a esperança.
Às vezes
atira-se à loucura carnavalesca da cidade
escamoteando um que outro incauto viandante
na vã e derradeira tentativa de escapar
ao abraço antropofágico da escada do suicídio.
Às vezes
lamenta em pranto
porque não há pão para o filho
este botão de rosa que quer desabrochar
na madrugada vazia que cruelmente se avizinha.
Às vezes
chora desperadamente
ignorando a fatalidade do seu botão de rosa
que tão logo murchou
a alegre brisa levou
Às vezes
veste a alma de álcool
para sonhar-se milagrosamente morto
fugir veloz no encalço da alegre brisa.
Às vezes
quantas vezes
esse mesmo homem caminha ao nosso lado
subindo a pirâmide irreversível da morte?
ALARME
Hoje
voltou a sangrar
o aroma do dendém
nas falas da fotossíntese
Hoje
rebrilhou da cópula celeste
o desígnio cícilico das estrelas
a voz perdeu-se-me nas heresias
- o braseiro consumiu mais a minha alma.
Soltou-se
o alarme estridente do cosmos
o sol cadente não pode lavar as sombras
mãos ofereceram-me nuvens dúbias e lama
- a chuva ensopou mais ainda a minha alma!
AUTOCARRO DO PRENDA
Vou no autocarro do Prenda
Vou do Porto ao Prenda no autocarro carregado
cheio de gente, cheio de gente:
o cheiro dos corpos enrolados e uma cabeça encostada à dúvida!
Olho à volta e sinto-me triste e feliz
com o autocarro que sobe devagar a avenida
sofrendo tão humanamente:
quem sabe porque o autocarro vai assim descontente?
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