No seu aconchego português, o grande poeta cabo-verdiano José Luís Tavares oferece aos nossos leitores duas “prendas” natalícias. Agradecemos. Boas Festas!
UM CÁLICE À INTENÇÃO DO MENINO
Dizem-me que nasceste no distante
oriente, numa noite fria como esta.
Isto me dizem. Atentos escrutinadores
do passado atestam tua meninice
num árido país. Nisto, minha infância
foi igual à tua.
Debaixo de coruscantes céus transitei
a penúria, enquanto tu te preparavas
para desígnios bem maiores
— morrer pelos meus pecados,
dizem-me os quatro evangelistas,
apócrifos e fabulistas.
Como poderei, na conta dos desatinos,
ter mais débitos do que tu
se nem tenho o poder de fulminar
a esses que me tiram as guloseimas?
Não senhor meu, te chamarei,
embora por ti nutra tamanha admiração.
Como o fabulista portenho, o que amoeda
e burila, poderia perguntar-me: de que
me serve a mim que tenhas morrido
pregado a uma cruz, se esse teu acto
(alguns dirão que nobre) do sofrimento
me não livra?, nem do naufrágio
a esses que padecem a dominação
dos ventos mas seguem firmes
no trilho dos segredos?
Nesta noite em que na quieta
atmosfera brilham os olhos de minha
filha (milagre novo e tão antigo),
e em distantes ilhas se não suspende
a lavração da bruma, que deus não
sejas, é-me indiferente — à tua intenção
ergo este néctar decantado numa antiga
infância de fornalhas.
***
Treme o trema no cocuruto de noël .
Fora de neve o céu de dezembro,
e não essa torreira de me lembro,
tu, a quem chamo amigo novel,
chegarias de capa e botas altas desde
esse negrume a que chamam pátria? Pátria
são os lidos livros, ou o lume que se pede
quando o escuro leveda num rufar de estria.
Triste dezembro que a piedade reverdece
com o arbítrio do nevoeiro, nas moradas
engelhadas a felicidade é um touro indócil
verrumando a paz dos pátios. Pudesse,
ó piedoso, seria resignado guardião das
veredas onde cresce o teu nome fóssil.
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