Orlando Loureiro Neves nasceu em Portalegre em 1935 e faleceu na Senhora da Hora em 2005. Documentalista, jornalista, dramaturgo, encenador, tradutor, escritor e poeta, fundou em 1975 a Cooperativa Editorial Diabril
A ÁREA
Tudo o que houve, permanece, proeza do corpo
como um sulco bárbaro da memória dos dias,
ritos, remorsos, sementes futuras, a mudez.
Tudo aconteceu nas lágrimas e nas veias,
na precisão das luzes, no lugar móvel da ordem,
no gelo e no lume que entre as coisas navegam,
na palavra deflagrada, na paz das páginas.
Para onde vai o que não se move, o que é
dogma de cal, madeira, pedra ou ferro?
Como chamar à alma, à linguagem, às cores
que de amor pela morte morrem caladas,
na área eterna da casa, a que permanece
na velhice dos anos e dos ossos consumada,
como uma gota do tempo para além dos séculos?
O MEDO
Que não se confunde. Por existir se ganha
e nos pertence. Sílabas ou linguagem,
busca o centro nas mãos, nos olhos, o contacto
incessante. Percorre os muros da memória,
na penumbra da palavra se instala. Nada
partilha. Como um monólogo se mascara
de gemas, rumores e gotas de ervas. Flui
e estilhaça as pálpebras, domina as casas,
abala os sismos. Ara o corpo, viva árvore
em ascensão, ronda a pele e os jorros do ar.
Até que nos toma e molda o ventre, descobre
o preço diário da invisível folhagem
solar. É o que se oculta. Livor, sílaba,
margem eterna da inicial prudência.
TODAS AS NOITES ME SINTO
Todas as noites me sinto
igual aos desconhecidos.
Sou a criança que sou,
só quando o tempo pára.
Fico em mim,
fora dos músculos.
Por que se movem os deuses
quando o sol cresta as formigas?
Lendas da luz da noite
secam todo o movimento.
Seguro a vida
por desespero.
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