Ana Paula Ribeiro Tavares nasceu no Lubango em 1952. Escritora, historiadora e poeta, vive em Portugal onde lecciona. Por alguns considerada uma das melhores vozes da poesia angolana contemporânea.
AMARGOS COMO OS FRUTOS
“Dizes-me coisas tão amargas / como os frutos...” – Kwanyama
Amado, por que voltas
com a morte nos olhos
e sem sandálias
como se um outro te habitasse
num tempo
para além
do tempo todo
Amado, onde perdeste tua língua de metal
a dos sinais e do provérbio
com o meu nome inscrito
Onde deixaste a tua voz
macia de capim e veludo
semeada de estradas
Amado, meu amado,
o que regressou de ti
é a tua sombra
dividida ao meio
é um antes de ti
as falas amargas
como os frutos
MUKAI
1
Corpo já lavrado
eqüidistante da semente
é trigo
é joio
milho híbrido
massambala
resiste ao tempo
dobrado
exausto
sob o sol
que lhe espiga
a cabeleira.
2
O ventre semeado
deságua cada ano
os frutos tenros
das mãos
(é feitiço)
nasce
a manteiga
a casa
o penteado
o gesto
acorda a alma
a voz
olha pra dentro do silêncio milenar.
3
Um soluço quieto
desce
a lentíssíma garganta
(rói-lhe as entranhas
um novo pedaço de vida)
os cordões do tempo
atravessam-lhe as pernas
e fazem a ligação terra.
Estranha árvore de filhos
uns mortos e tantos por morrer
que de corpo ao alto
navega de tristeza
as horas.
4
O risco na pele
acende a noite
enquanto a lua
(por ironia
ilumina o esgoto
anuncia o canto dos gatos)
De quantos partos se vive
para quantos partos se morre
um rito espera-se faca
na garganta da noite
recortada sobre o tempo
pintada de cicatrizes
olhos secos de lágrimas
Domingo, organiza a cerveja
de sobreviver os dias.
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