Do poeta José Pascoal, este portal honra-se em difundir quatro poemas do seu recente livro “Excertos Incertos”: é um aperitivo a encomendar uma excelente leitura. Os livros não devem ficar nas livrarias. São para ser lidos e apreciados.
SAL GROSSO
No movimento piscatório,
Os pescadores sofrem
De hipotermia.
Navalhas frias
Enterram-se nos ventres
Vazios
E na terra parada
Há quem se aqueça
Com peixe assado
Na brasa.
CIRCULAÇÃO PROIBIDA
Ando à volta
De praças sem nome,
Teatros ausentes,
Arenas exangues.
Nos palácios
Em ruínas
Crescem números,
Letras inumanas
Estátuas
E árvores
Têm o mesmo corte
De cabelo
Guio-me
Pelo aspecto
Dum grito
Sem palavras.
INSTANTÂNEO DISTANTE
Compras tabaco e tinta
Escreves num caderno,
Trazes na cara negra pinta,
Nisso és pouco moderno.
Eternamente grato
Como um bicho-do-mato,
Dizes tudo em sentido lato,
Gostas da persistência do cacto.
Não fazes companhia,
Não levas alegria,
Esperas sempre pelo dia de amanhã.
E se chamam por ti
Para verificar um til,
Preferes devorar uma maçã.
VISÃO NOCTURNA
De noite, as árvores cantam
À sombra das suas copas
Enquanto as pedras choram
Sem alegria nem tristeza
Os animais deprimidos
Fecham-se nas suas casas
E as coisas desarrumadas
Cabem todas numa cela.
Dos sinos da liberdade
Não soa nenhuma fúria
E dos museus abandonados
Não foge nenhuma cor.
De noite, os sonhos congelam
Em arcas congeladoras.
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