sábado, 3 de novembro de 2018

[0365] De novo, José Pascoal


Do poeta José Pascoal, este portal honra-se em difundir quatro poemas do seu recente livro “Excertos Incertos”: é um aperitivo a encomendar uma excelente leitura. Os livros não devem ficar nas livrarias. São para ser lidos e apreciados.


SAL GROSSO

No movimento piscatório,
Os pescadores sofrem
De hipotermia.

Navalhas frias
Enterram-se nos ventres
Vazios

E na terra parada
Há quem se aqueça
Com peixe assado
Na brasa.


CIRCULAÇÃO PROIBIDA

Ando à volta
De praças sem nome,
Teatros ausentes,
Arenas exangues.

Nos palácios
Em ruínas
Crescem números,
Letras inumanas

Estátuas
E árvores
Têm o mesmo corte
De cabelo

Guio-me
Pelo aspecto
Dum grito
Sem palavras.


INSTANTÂNEO DISTANTE

Compras tabaco e tinta
Escreves num caderno,
Trazes na cara negra pinta,
Nisso és pouco moderno.

Eternamente grato
Como um bicho-do-mato,
Dizes tudo em sentido lato,
Gostas da persistência do cacto.

Não fazes companhia,
Não levas alegria,
Esperas sempre pelo dia de amanhã.

E se chamam por ti
Para verificar um til,
Preferes devorar uma maçã.


VISÃO NOCTURNA

De noite, as árvores cantam
À sombra das suas copas
Enquanto as pedras choram
Sem alegria nem tristeza

Os animais deprimidos
Fecham-se nas suas casas
E as coisas desarrumadas
Cabem todas numa cela.

Dos sinos da liberdade
Não soa nenhuma fúria
E dos museus abandonados
Não foge nenhuma cor.

De noite, os sonhos congelam
Em arcas congeladoras.

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