terça-feira, 23 de outubro de 2018

[0319] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (3) Nuno Rebocho, a Liberdade


Recusando a ditadura, combatendo-a, Rebocho quis ser apenas o dono de si mesmo. Duas vezes preso pela polícia política do Estado Novo, viveu durante cinco anos as cadeias de Salazar. Também na poesia rechaçou tutelas e assumiu para si o grito de Ramos Rosa: “poesia, liberdade livre”.


MEDITAÇÃO EM MADRUGADA DE ABRIL

homem sem dono: não confies na liberdade
apalpada nas ruas. tu és o chão bom
para a safra que o moliço alimenta.     não
recuses a seiva que te reclamam mas desconfia
: as palavras matam os gritos assustam
a vida e apagam o pólen. mas sê justo
apesar da raiva e honesto apesar da ânsia.
a água da liberdade não se mede nem se gere
nem lhe procures a fonte porque encontrar
é roubar. se assumes a liberdade
nem de ti mesmo sejas dono.

o poder é efémero.       dura menos a tua vida
e a derrota mata-o (a morte derrota-o).
nunca bendigas a vilania do mando
quando ele te algema aos pódios da morte.

na madrugada do caminho sabe
que só o caminho é a meta e sê prudente.
que as luzes não ofusquem a tua razão
ou que o deleite não ultraje o sentimento.
se te mandarem parar caminha se te prenderem
sê livre se te matarem continua vivo.
sabe que abril é todo o tempo – o antes
e o depois – a dimensão da tua alma.
que para ti só queiras a ciência e o mais
recuses: sê livre. liberta-te a ti mesmo.


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