António Thomaz Botto nasceu em Concavada (Abrantes) em 1897 e faleceu no Rio de Janeiro em 1959. Filho de um fragateiro e de uma mulher-a-dias, foi funcionário público, dramaturgo, contista e poeta, viveu em Angola (Santo António do Zaire). Depois de percorrer a Europa, radicou-se no Brasil em fins da década de 40, fugindo ao escândalo provocado num meio retrógrado por um livro de poemas onde a homossexualidade era incensada – facto que lhe valeu a fama por que ficou conhecido. Empregado de uma livraria, estabeleceu fortes relações com autores do seu tempo, tendo sido companheiro de Fernando Pessoa. De feitio truculento, vaidoso e egocêntrico, entrou em conflito com grande parte dos seus confrades. Boémio, percorria as docas lisboetas à cata de marítimos. Apesar da homossexualidade semi-assumida, viveu com uma cônjuge mais velha do que ele. Perseguido pela fama do seu comportamento e pelo Estado salazarista, esgueirou-se para o Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo e Niterói onde se fez passar por engenheiro-arquitecto). Finalmente, recolheu-se ao Rio de Janeiro onde requereu o seu repatriamento para Portugal, o que lhe foi recusado. Morreu na miséria, vítima de atropelamento quando ia visitar o seu advogado. Trasladados os seus restos mortais para Lisboa, mereceram as honras de poetas como David-Mourão Ferreira, Natália Correia e José Régio. Todavia, a sua poesia continuou mal conhecida.
Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do meu leito?
Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que fala da morte,
Docemente, ao meu ouvido?
És tu, Senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.
FOI N'UMA TARDE DE JULHO
Foi n'uma tarde de Julho.
Conversávamos a medo,
- Receios de trair
Um tristíssimo segredo.
Sim, duvidávamos ambos:
Ele não sabia bem
Que o amava loucamente
Como nunca amei ninguém.
E eu não acreditava
Que era por mim que o seu olhar
De lágrimas se toldava...
Mas, a dúvida perdeu-se;
Falou alto o coração!
- E as nossas taças
Foram erguidas
Com infinita perturbação!
Os nossos braços
Formaram laços.
E, aos beijos, ébrios, tombámos;
- Cheios d'amor e de vinho!
(Uma súplica suava:)
«Agora... morre comigo,
Meu amor, meu amor... devagarinho!...»
A VOSSA CARTA COMOVE
A vossa carta comove,
Mas, não vos posso acompanhar.
Deixai-me viver em penas;
- Vou sofrendo e vou sorrindo,
O meu destino é chorar!
Sim, é certo; - quem eu amo
Zomba e ri do meu amor...
- Que hei-de eu fazer? - Resignar-me,
Gentilíssimo Senhor!
Depois, quanto mais sabemos,
Parece que mais erramos:
- Antes sofrer os males que nos cercam
Do que ir em busca de outros que ignoramos.
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