quinta-feira, 27 de setembro de 2018

[0206] António Nunes, o "poeta do quotidiano"


Nascido na Praia em 1917 e falecido em Lisboa e 1951, António Nunes foi “o poeta do quotidiano crioulo”. Fixou-se em Lisboa em 1940, relacionando-se com o grupo neo-realista, integrando-se na geração de “Certeza”.


POEMA DE AMANHà

- Mamãi!
sonho que, um dia,
em vez dos campos sem nada,
do êxodo das gentes nos anos de estiagem
deixando terras, deixando enxadas, deixando tudo,
das casas de pedra solta fumegando do alto,
dos meninos espantalhos atirando fundas,
das lágrimas vertidas por aqueles que partem
e dos sonhos, aflorando, quando um barco passa,
dos gritos e maldições, dos ódios e vinganças,
dos braços musculados que se quedam inertes,
dos que estendem as mãos,
dos que oham sem esperança o dia que há-de vir

- Mamãi!
sonho que um dia
essas leiras de terra que se estendem,
quer sejam Mato Engenho, Dacabelo ou Santana,
filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor,
serão nossas.

E, então
o barulho das máquinas cortando,
águas correndo por levadas enormes,
plantas a apontar,
trapiches pilando
cheiro de melaço estonteando, quente,
revigorando os sonhos e remoçando as ânsias
novas seivas brotarão da terra dura e seca
vivificando os sonhos, vivificando as ânsias, vivificando a Vida.

Sem comentários:

Enviar um comentário