Pseudónimo de Abílio Leopoldo Motta-Ferreira, nascido em Dili em 1917 e falecido em Cascais em 1993.
Poeta, prosador a ensaísta, é um dos nomes da literatura timorense.
Passou a maior parte da sua vida em Portugal, sempre invocando as suas origens. Presidiu à Sociedade de Língua Portuguesa e foi dirigente da Convergência Monárquica, que se opunha ao salazarismo.
"Meninas e meninos" é um dos seus poemas mais conhecidos, dentro de uma vastíssima bibliografia em prosa e verso.
NAVIO
Tata-Mailau
É o pico-avô da minha Ilha.
Subi muitas vezes aos seus três mil metros.
E foi no seu alto
Que meu sonho-menino construiu um navio.
Antes.
Ninguém tinha compreendido
Que a ilha
Não é terra isolada pelo mar.
ROTA
Não sei se o mar tem voz
Mas a sua voz
Desde pequeno me falava lento.
E eu via nele
O que não existia na memória.
Ninguém sabia
De meus avós e bisavós
Se era quadrado ou redondo
Se tinha vida ou não.
Mas sem saber se tinha voz o mar
Ouvia a sua voz.
E sem saber se tinha vida ou não
Sentia a sua vida.
Foi ele que me disse
Que havia Espaço e Tempo.
E comecei a viajar sem medo da viagem.
E nunca mais parei
Com medo da paragem.
MENINO GRANDE
Papá,
Ressoa em todo eu
A minha voz primeira
Quando te chamava.
O menino que fui potenciou-se.
Não há menino grande,
Mas sou,
Papá,
Menino verdadeiro.
Já não fujo a gritar pelas ravinas,
Nem monto búfalos,
Nem subo a coqueiros,
Nem me escondo detrás de bananeiras.
Nascem-me já cabelos brancos,
Tenho um bigode
E sou feio e gordo.
E penso e escrevo e faço versos
E abro os braços ao mundo.
Começo a ser como querias.
Papá,
Se me visses agora
Reconhecer-me-ias!
MENSAGEM DO TERCEIRO MUNDO
Não tenhas medo de confessar que me sugaste o sangue
E engravataste chagas no meu corpo
E me tiraste o mar do peixe e o sal do mar
E a água pura e a terra boa
E levantaste a cruz contra os meus deuses
E me calasse nas palavras que eu pensava.
Não tenhas medo de confessar que te inventasse mau
Nas torturas em milhões de mim
E que me cavas só o chão que recusavas
E o fruto que te amargava
E o trabalho que não querias
E menos da metade do alfabeto.
Não tenhas medo de confessar o esforço
De silenciar os meus batuques
E de apagar as queimadas e as fogueiras
E desvendar os segredos e os mistérios
E destruir todos os meus jogos
E também os cantares dos meus avós.
Não tenhas medo, amigo, que te não odeio.
Foi essa a minha história e a tua história.
E eu sobrevivi
Para construir estradas e cidades a teu lado
E inventar fábricas e Ciência,
Que o mundo não pode ser feito só por ti.
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