terça-feira, 25 de setembro de 2018

[0196] Manuel Lopes, poeta e escritor cabo-verdiano


Um dos fundadores da moderna literatura cabo-verdiana, Manuel dos Santos Lopes nasceu em 1907 em Campinho, ilha de S. Nicolau, e faleceu em Lisboa, em 2005. Ficcionista, ensaísta e poeta, foi um dos responsáveis pela revista “Claridade”. Viveu em Coimbra e, desde 1944, nos Açores (ilha do Faial). Mais conhecido como romancista, foi igualmente um destacado poeta. Os dois poemas que Ibn Mucana hoje oferece são retirados de "Crioulo e outros poemas", edição do autor, Lisboa, 1964, com dedicatória ao jornalista, ensaísta e crítico literário Álvaro Salema, datada da altura da saída do livro. Ver imagens abaixo. Sobre Álvaro Salema, ver AQUI


A GARRAFA

Que importa o caminho
da garrafa que atirei ao mar?
Que importa o gesto que a colheu?
Que importa a mão que a tocou
— se foi a criança
ou o ladrão
ou filósofo
quem libertou a sua mensagem
e a leu para si ou para os outros.
Que se destrua contra os recifes
eu role no areal infindável
ou volte às minhas mãos
na mesma praia erma donde a lancei
ou jamais seja vista por olhos humanos
que importa?
… se só de atirá-la às ondas vagabundas
libertei meu destino
da sua prisão?…



CRIOULO

Há em ti a chama que arde com inquietação
e o lume íntimo, escondido, dos restolhos
- que é o calor que tem mais duração.
A terra onde nasceste deu-te a coragem e a resignação.
Deu-te a fome nas estiagens dolorosas.
Deu-te a dor para que nela,
sofrendo, fosses mais humano.
Deu-te a provar da sua taça o agridoce da compreensão,
e a humildade que nasce do desengano…

E deu-te esta esperança desenganada
em cada um dos dias que virão
e esta alegria guardada
para a manhã esperada
em vão…


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