Nascido em Lisboa em 1932, viveu em Angola desde 1945 e faleceu na África do Sul em 2006. Etnógrafo, museólogo, romancista, pintor e poeta, foi extraditado pela PIDE para Portugal em 1961, para o castigar pelas suas relações com o movimento independentista. Em Lisboa, colaborou com a Casa de Estudantes do Império. Depois de passar à clandestinidade, exilou-se em Argel, participando na guerrilha do MPLA. Depois da independência, foi um dos fundadores da União de Escritores de Angola e da União Nacional dos Artistas Plásticos. Foi Prémio Nacional da Literatura de Angola em 1981 e 1989.
AO BATER DA CHUVA
A porta fechada é uma obsessão.
As vozes caladas em torno de nós,
as pausas alongadas em silêncios de uma angústia nova,
são a descontinuidade do tempo interrompido
dentro da casa que arrombaram ontem
no coração da aleia de Mazozo.
A chuva cai em bátegas doces, a chuva bate o capim molhado
e soa…
A humanidade é fria.
As mulheres já choram tudo.
- A Mãe Gonga comandou o coro.
Esvaem-se agora em surdina muda
que agudiza o bater da chuva.
Os homens dizem de quando e quando
um nome obstinado.
Chamava-se Infeliz
aquele rapaz
que levara ontem
do coração da aldeia.
A chuva matraqueia ainda e sempre
na porta fechada como uma obsessão.
Como ela nos lembra o som odiado
que dia após dia
nos sobressalta!
Como ela recorda o som da metralha,
que dia após dia
desce o morro da Calomboloca
e bate naquela porta fechada
obsecada de protecção!
A gente conhece o som da metralha
quando ela vem no fim do dia.
Quando ela vem, silencia a aldeia,
então, em sobressalto, o povo diz:
- Foram fuzilados…
E ninguém sabe do Infeliz,
aquele rapaz que levaram ontem…
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