quinta-feira, 13 de setembro de 2018

[0096] Filinto Elísio e a nova poesia cabo-verdiana

Filinto Elísio de Aguiar Cardoso Correia e Silva nasceu em Cabo Verde em 1961. 

Novelista, poeta e editor, é co-fundador da Academia de Escritores Cabo-Verdianos, foi conselheiro do Primeiro-Ministro de Cabo Verde, presidente da assembleia-geral da ONG Pró-Praia e vice-presidente da Multilingual Schools Foundation. 

Autor de “Do lado de cá da rosa”, “O inferno do riso”, “Das frutas serenadas”, “Das Hespérides”, “Li cores & ad vinhos” e “Mexendo no Baú. Vasculhando o U”. 


I

Tendes, que não eu, engenho e arte. Tendes sorte. Eu não.
A minha pluma, em flor de lácio, é de ouvido e fala.
Faço paramentos com palavras. Uma espécie de missa:
- Bem-aventurados os poetas malditos, vagabundos e doridos.
- Bem-aventuradas as musas das esquinas e as raparigas esquecidas.
- O reino falido da Poesia é vosso. Só vosso, animais com alma.
Com as sintaxes e as semânticas de permeio!
Que a metáfora lhe vai à borla. Sua mentira em cima da missiva.
Os diamantes serem eternos (disparate que vale milhões)
Com ou sem molduras: o corpo pode ser só dorso, o torso pode ter mamas.
Bundas psicadélicas.
Qualquer dia, as grafites desta cidade podem ser néon.


II

De cá para lá – nuvem de viagem
De lugar sem norte – tamanha estiagem
E de tempo algum – o que narramos antes da morte.


III

Teus olhos, em desamparinho, são quase verdes.
Teus olhos guardam pássaros e gradam esvoaçares.
Tu que me sorris como ladrilhos, cacos de vidros.
Tu que me liquefazes como me fragmentas à noite.
O relógio em tiquetaque,
Sem cucos, maluquíssimos, em ninhos de cartão.
Eis que acolá os caranguejos andam só de retro...
E a universidade certifica esses idiotas nacionais.
Deus, Aquele, não deve ter tempo para os apagões -
a incompetência é sem poesia
as cotovias, armadas em cisnes, afogam-se no lago...
Um cão, desacordado, canta aqui o hino patriótico, irmão.


IV

Praia já foi cidade dos seus costados para o mar.
Veio o Gama: urinou e partiu para a Índia.
Passou, por suas bandas, Darwin e gramou suas lagartixas.
As aves canoras: toma-vos o cujo,
quem rouba ladrão, cem anos de perdão.
É que ando a ler a Constituição Nacional.
Derrubada, não tem grandeza de texto de receita médica.
Quando o navegador chegou, isto era desencanto!


V

À primeira ilha; à segunda e assim por diante -
circum-navegação do caneco
O negro andou por tantos descaminhos.
Dirás (em subtexto):
tendes mesmo tanta sorte!
Insularidade não é fácil
luxúria em pó e cocaína -
Grilos, bambalutas, percevejos - os bichos todos...

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