Ovídio de Sousa Martins, nascido no Mindelo, ilha de S. Vicente, em 1928 e falecido em Lisboa em 1999, é um clássico da grande poesia cabo-verdiana. Residiu em Lisboa, para onde foi cursar Direito, até 1973. Anticolonialista assumido, foi perseguido pela PIDE e exilou-se na Holanda, regressando a Cabo Verde depois da Revolução de Abril de 1974 em Portugal.
O primeiro dos poemas hoje aqui inseridos foi musicado por Fausto Bordalo Dias e faz parte do seu disco "A Preto e Branco", de 1989. A mesma canção está no disco de Né Ladeiras "Todo Este Céu", de 1997. Ver em posts seguintes ambas as interpretações.
FLAGELADOS DO VENTO-LESTE
para Manuel Lopes, poeta e romancista patrício
Nós somos os flagelados do vento-leste!
A nosso favor
não houve campanhas de solidariedade,
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternalmente
para nós!
Somos os flagelados do vento-leste!
O mar transmitiu-nos a sua perseverança,
aprendemos com o vento a bailar na desgraça,
as cabras ensinaram-nos a comer pedra
para não perecermos.
Somos os flagelados do vento-leste!
Morremos e ressuscitamos todos os anos
para desespero dos que nos impedem
a caminhada
Teimosamente caminhamos de pé,
num desafio aos deuses e aos homens,
E as estiagens já não nos metem medo,
porque descobrimos a origem das coisas
(quando pudermos!...)
Somos os flagelados do vento-leste!
Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos
E as vozes solidárias que temos sempre
escutado
são apenas
as vozes do mar
que nos salgou o sangue,
as vozes do vento
que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
e as vozes das nossas montanhas
estranha e silenciosamente musicais
Somos os flagelados do vento-leste!
ANTI-EVASÃO
Ao camarada poeta João Vário
Pedirei
Suplicarei
Chorarei
Não vou para Pasárgada
Atirar-me-ei ao chão
e prenderei nas mãos convulsas
ervas e pedras de sangue
Não vou para Pasárgada
Gritarei
Berrarei
Matarei
Não vou para Pasárgada.
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