domingo, 9 de setembro de 2018

[0071] Corsino Fortes, a poesia indomável

Um dos vultos maiores da poesia cabo-verdiana, Corsino António Fortes nasceu no Mindelo em 1933 e no Mindelo faleceu em 2015. Poeta, escritor e político, fez parte da Casa de Estudantes do Império quando estudou Direito em Lisboa. Foi juiz em Angola, já então militante clandestino do PAIGC, destacando-se pelos seus escritos anticolonialistas. Publicou o seu primeiro livro em 1974. Foi Embaixador de Cabo Verde em Portugal e presidente da Associação dos Escritores de Cabo Verde.


PECADO ORIGINAL

Passo pelos dias
E deixo-os negros
Mais negros
Do que a noute brumosa.

Olho para as coisas
E torno-as velhas
Tão velhas
A cair de carunchos.

Só charcos imundos
Atestam no solo
As pegadas do meu pisar
E fica sempre rubro vermelho
Todo o rio por onde me lavo.

E não poder fugir
Não poder fugir nunca
A este destino
De dinamitar rochas
Dentro do peito...


DE BOCA CONCÊNTRICA NA ROTA DO SOL

Depois da hora zero
E da mensagem povo no tambor da ilha
Todas as coisas ficaram públicas na boca da república
As rochas gritaram árvores no peito das crianças
O sangue perto das raízes
E a seiva não longe do coração


E

Os homens que nasceram da estrela da manhã
Assim foram
Árvore & Tambor pela alvorada
Plantar no lábio da tua porta

África
mais uma espiga mais um livro mais uma roda

Que
Do coração da revolta
A Pátria que nasce
Toda a semente é fraternidade que sangra

*

A espingarda que atinge o topo da colina
De cavilha & coronha

partida partidas
E dobra a espinha

como enxada entre duas ilhas
E fuma vigilante

o seu cachimbo de paz
Não é um mutilado de guerra
É raiz & esfera no seu tempo & modo
De pouca semente
E muita luta.

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