Cabo-verdiano nascido na ilha da Boavista em 1925 e falecido em 1964, Daniel Damásio Ascensão Filipe foi jornalista e poeta, director de "Notícias do Bloqueio". Destacado opositor ao regime de Salazar, foi perseguido, preso e torturado pela sinistra PIDE. Prémio Camilo Pessanha de 1956, sob o pseudónimo de Raymundo Soares, é sobretudo recordado pelos seus veementes poemas de combate ideológico, "A Invenção do Amor" e "Pátria, Lugar de Exílio".
REQUIEM PARA UM DEFUNTO VULGAR
Antoninho morreu. Seu corpo resignado
é como um rio incolor, regressando à nascente
num silêncio de espanto e mistério revelado.
Está ali - estando ausente.
Jaz de corpo inteiro e fato preto.
Ele, da cabeça aos pés,
trivial e completo,
estátua de proa e moço de convés.
Jaz como se dormisse (pelo menos
é o que dizem as velhas carpideiras).
Jaz imóvel, sem gestos, sem acenos.
Jaz morto de todas as maneiras.
Jaz morto de cansaço, de pobreza, de fome
(sobretudo, de fome). Jaz morto sem remédio.
É apenas, sobre um papel azul, um nome.
De ser mais qualquer coisa, a morte impede-o.
Jaz alheio a tudo à sua volta,
à grita dos parentes, companheiros,
como um cavalo à rédea solta
ou no mar largo, os rápidos veleiros.
Jaz inútil, feio, pesado,
a colcha de crochet aconchega-o na cama.
Nunca esteve tão quente e animado.
Nunca foi tão menino de mama.
Os filhos olham-no e fazem contas cuidadosas:
padre, enterro, velório, certidão
de óbito... E discutem, com manhas de raposas,
os parcos bens e a possível divisão.
Entanto, sobre o leito que foi da vida de casado,
Antoninho jaz morto. Definitivamente.
Os parentes e amigos falam dele no passado.
A viúva serve copos de aguardente.
Imagem jornal "Tornado" |
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