TRÍPTICO
I.
A menina pobre contempla o mar
Que lhe traz o mundo.
E na contemplação ela contempla
O eterno profundo de seu mundo.
As ondas falam e murmuram
E calam e sussurram.
Nascem na planície das coisas comuns.
Elas se aproximam e se aproximam,
Elas se avolumam e avolumam,
Lutam, destroem-se, elas desaparecem
E num instante profundo
Deitam-lhe aos seus pés o seu mundo.
Estrelas do céu, estrelas do mar,
Flutuam no céu, flutuam no mar.
Vagas eternas, vagas imensas eternas
Que ternas lhe deitam aos pés o seu mundo:
De pérolas e cristais, e pétalas e metais,
Feitas todas, às gotas,
De todas as gotas que vieram
Do lugar das coisas comuns;
E contemplando as coisas que lhe traz o mar,
A menina pobre ingressa no seu mundo profundo.
II.
Hoje a floresta é um castelo,
Ontem fora catedral resplandecente,
Amanhã, ruína remanescente
De sonhos sem elo.
Mas hoje é a floresta um castelo,
Com torres, torreões e ameias,
Solene, majestático e belo,
Um castelo de torres e ameias,
Hoje ainda é dia de sonho.
Varrem os ventos os vergalhões,
Troam e retumbam os trovões,
Estremecem as torres e torreões,
As paredes desabam solenes
No espaço aberto.
Varrem as árvores os ventos,
As folhas flutuam solenes
No espaço aberto.
Aos ventos de eternos alentos
Cada folha caída é um sonho morto
No vazio incerto
Que se faz no espaço aberto
Das ameias a desabar.
A floresta virou cinza
E o vento assombração.
III.
A sua alma era alva
Como a calma da areia da manhã de outono.
E fogem-lhe os suspiros
Ao som do suspirar de um grande sono.
A manhã está em silêncio,
Recolhe-se o vento sonolento
Que quer ouvir o seu lamento,
Quer guardar a voz dormente
Da dor de seu universo.
“Vinde ondas, vinde ventos do sul,
Raios de sol, vinde raios de sol,
Apaguem os meus rastros doídos
Pegadas de pés sofridos,
Manchas de momentos doloridos”.
Os rastros estendem-se na alvura da areia
As pegadas prolongam-se num infinito de areia
As manchas fundem-se num corpo cor sereia
Que chora o seu eterno em grãos de areia.
“Quando eu destas coisas não sabia
Não havia rastros.
Não havia pegadas quando não sabia
Deixar na alma todos estes lastros”.
A figura desapareceu
Quando o mar apagou seus rastros.
A silhueta cedeu
Quando o vento a varreu.
Mas deixou atrás os tristes lastros.
A figura reapareceu
Quando as ondas retornaram.
Sabia da verdade agora,
Percorrera os ares e mares afora
E não deixa mais rastros agora.
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Joaquín Sorolla, "Niña en un mar plateado", 1909 |
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