sexta-feira, 2 de agosto de 2019

[0683] Mais um interessante contributo do nosso confrade de letras Nicolau Saião

Nicolau Saião e Juan Ramón Jiménez

1.ª edição, 1914
Faz neste Agosto 20 anos que recebi, pela primeira vez, convite para participar em Moguer - terra natal de Juan Ramón Jiménez - numa celebração do grande autor de "Platero y yo" e de tantas outras obras de concepção superior que chegaram a granjear-lhe o Nobel.

Edição portuguesa, 1967
Nesses tempos salubres em que eu ainda me dava a percorrer a Estremadura e a Andaluzia tanto quanto o podia fazer, com fortuitas incursões por outros lugares mais afastados da España que sempre tenho estimado como ibérico que sou, lá fui eu à alegre terra das figueiras e dos dias ensolarados onde paira a sombra do nobre escritor de "Voces de mi copla", homem de firme querer e duma só cara que, por mor da sua oposição ao regime franquista, foi obrigado a exilar-se nos EUA (Porto Rico) e aí faleceu em 1958 com 77 anos. 

Recordando essa viagem e esse evento, eis que aqui vos deixo, com a estima e o abraço cordial de sempre, um belo e comovente poema que traduzi por essa época, bem como uma obra plástica que constituiu a minha participação nessa celebração - e que depois foi transformada num painel de azulejos de razoáveis dimensões (135 cm X 210 cm) patente num dos quartos de baixo da Casa da Muralha, em Arronches.
Nicolau Saião

Juan Ramón Jiménez (Moguer, 1881 – Porto Rico, 1958)

A DERRADEIRA VIAGEM
Tradução de Nicolau Saião

…E partirei. E ficarão os pássaros
cantando;
e ficará o meu quintal, com a sua árvore verde
mais o seu poço branco.

O céu, todas as tardes, estará azul e calmo;
e tocarão, como esta tarde estão tocando
os sinos do campanário.

Irão morrendo aqueles que me amaram;
e a cada ano se fará novo o meu povoado;
e no tal recanto do meu quintal florido e calado
o meu espírito vagueará,  nostálgico…

Eu partirei; e ficarei só, sem lar, sem a árvore
verde, sem o poço branco
sem o céu azul e calmo…

E ficarão os pássaros, cantando.


EL VIAJE DEFINITIVO

… Y yo me iré. Y se quedarán los pájaros
cantando;
y se quedará mi huerto, con su verde árbol,
y con su pozo blanco.

Todas las tardes, el cielo será azul y plácido;
y tocarán, como esta tarde están tocando,
las campanas del campanario.

Se morirán aquellos que me amaron;
y el pueblo se hará nuevo cada año;
y en el rincón aquel de mi huerto florido y encalado,
mi espíritu errará nostáljico…

Y yo me iré; y estaré solo, sin hogar, sin árbol
verde, sin pozo blanco,
sin cielo azul y plácido…
Y se quedarán los pájaros cantando.


De «Corazón en el viento», em Poemas agrestes, 1910-1911.



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