quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

[0574] Rui Teixeira, a teologia da palavra


José Rui Teixeira nasceu no Porto, em 1974. Filósofo e poeta, é director e presidente do Conselho Científico da Cátedra Poesia e Transcendência [Sophia de Mello Breyner Andresen], na Universidade Católica Portuguesa no Porto. Membro da Asociación Latinoamericana de Literatura y Teología e da European Society for Catholic Theology.



SEM TÍTULO

Os filhos são insectos de alabastro
nas noites de insónia das mães
e os telhados deslizam para a parte
da frente das casas, anunciam a ruína.
Há dias em que os pressentimentos
perseguem-nos como cães, as noites
de verão, as prensas nos dedos,
os úteros dentro das mães.
Foi a tua morte que explicou a casa,
o modo como se dispõem geometricamente
as rosas sobre a terra.


DIÁSPORA

Houve um tempo em que eu desconhecia o medo.
Deus ainda amava os filhos dos homens
quando, anos mais tarde, parou de chover.
Caiu-te um livro nas mãos como um presságio.

É verdade que espero ainda o rumor branco
das planícies, a superfície da manhã,
a tua boca como o estio.


ÓBICE

O que fizeste, mãe. Pergunto
sobre o talude da infância.
Hoje escrevi três poemas.
Protesto, estrábico e ensimesmado.
Penso salmão velho contra as paredes.
Não é desolação, mãe. Na cama,
quando anoitece, é à erosão
que me aconchego, com a roupa
de rua. E fecho os olhos para ver.

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