José Carlos Barros nascido em Boticas em 1963. É arquitecto paisagista, político (deputado) e poeta, recebeu o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama 2009.
NÃO INVENTES
Não venhas cá com merdas. Não inventes.
Não olhes nos meus olhos. Sai apenas.
E poupa-me aos discursos eloquentes
e às farsas do adeus. Não faças cenas.
Não digas que lamentas ou que a vida
às vezes é assim: que tudo esquece;
que o mundo e o tempo curam qualquer ferida.
Repito, meu amor: desaparece.
E leva o que quiseres de tudo quanto
um dia suspeitámos partilhar:
os livros, as esculturas em pau-santo,
os discos, os retratos, o bilhar.
Não deixes endereços. Por favor:
eu quero é que te fodas, meu amor.
A INVENÇÃO DA BICICLETA
Tudo o que fizemos no domínio
dos transportes desde a invenção da bicicleta
só contribuiu para melhor compreendermos
como a bicicleta é útil e bela
e comovente. E é mais bela e útil
e comovente quanto mais
os corredores aéreos enchem os mapas
dos controladores de voo e quanto
mais os viadutos se cruzam
e sobrepõem para dar vazão às filas
de automóveis nas pontes
dos feriados. As crianças
conhecem os segredos do vento numa
roda pedaleira. As bicicletas
e os bosques abrem no verão em simultâneo
os pequenos açudes luminosos
da infância. Depois do vidro e da roda
a bicicleta foi uma das mais
belas e inúteis e comoventes
invenções da história do homem.
MAIO DE 1942
Nos braços erguidos de Stevan,
no seu olhar confiado, nas suas pernas
firmes pisando o cadafalso
de tábuas, a morte reduz-se
a uma insignificância vergonhosa.
Stevan Filipovic morrerá
alguns segundos depois. Ainda assim é
confiante que cerra os punhos e
grita em nome do azul da jugoslávia
que permanecerá para além do apertar
de uma corda em redor do seu pescoço
jovem. A pátria é muitas
vezes um lugar imenso onde só os
carrascos choram no instante do crime.
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