segunda-feira, 19 de novembro de 2018

[0426] Salette Tavares, o espacialismo na poesia


Nasceu em Lourenço Marques (Moçambique) em 1922 e faleceu em Lisboa em 1994. Veio muito nova para Portugal, onde se fixou em Sintra. Professora, tradutora e poeta, foi bolseira da Fundação Gulbenkian em França e Itália, onde estou Linguística e Estética. 


ROUPA

Fui  um  dia  à  janela  e  vi  as  nuvens
carregadas  de  meus  sonhos  desdobrados
recolhi-os  um  a  um
com  mil  cuidados
dobrei-os         engomei-os       e  guardei os
são  meus  lenços
empilhados  na  gaveta.
Tão  certos      tão  brancos       tão iguais
quadrados  sobrepostos  arrumados,
nesse  canto  do  sussurro
são  a  espera  consumada  de  um  aroma
que  se  espalha  e  me  inunda  toda  roupa
guardando  no  mistério
o  segredo  de meu ser
todo entornado.
Mas ali vivem e residem
medindo-se em distância com lençóis
também dobrado também brancos também lisos
também memórias recolhidas de silêncio
na dimensão dos corpos conhecidos.
para além dos lençóis para além dos lenços
o perfume íntimo de outras roupas
lava e põe branco em todas elas
no diálogo imóvel do segredo
misturado  a  conchas  e  colares
no  ruído  surdo  de  um  remanso  medo
que  se  prende  também  outras  peças.
Largos  silêncios  que  o  ranger  de  abrir  suspende
estremecer  de  linhos          despertar  de  panos
desabrocha  de  rendas alvas  na  penumbra,
quem  vos  tocou  tão  escondidos  brandos
e  me  ensinou  a  ter-vos?



SALTO ALTO
























FOI TÃO DE AVE O MEU CHEGAR AQUI

Foi tão de ave o meu chegar aqui 
que de ti a mim sem que soubesse 
no que de ouvido espanto comovi 
posei canto silêncio todo prece.
Pousei e levantei secreta chama 
envolta no brasio de teu vinho 
contra o crime do céu tu me derramas 
silenciosa doçura no caminho.
Chamei por ti, tão solitária eu 
sem que me dessem outros mais de mim 
e dura espada na hora que bateu 
em tua mão segura me acolhi.



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