Nasceu em Lourenço Marques (Moçambique) em 1922 e faleceu em Lisboa em 1994. Veio muito nova para Portugal, onde se fixou em Sintra. Professora, tradutora e poeta, foi bolseira da Fundação Gulbenkian em França e Itália, onde estou Linguística e Estética.
ROUPA
Fui um dia à janela e vi as nuvens
carregadas de meus sonhos desdobrados
recolhi-os um a um
com mil cuidados
dobrei-os engomei-os e guardei os
são meus lenços
empilhados na gaveta.
Tão certos tão brancos tão iguais
quadrados sobrepostos arrumados,
nesse canto do sussurro
são a espera consumada de um aroma
que se espalha e me inunda toda roupa
guardando no mistério
o segredo de meu ser
todo entornado.
Mas ali vivem e residem
medindo-se em distância com lençóis
também dobrado também brancos também lisos
também memórias recolhidas de silêncio
na dimensão dos corpos conhecidos.
para além dos lençóis para além dos lenços
o perfume íntimo de outras roupas
lava e põe branco em todas elas
no diálogo imóvel do segredo
misturado a conchas e colares
no ruído surdo de um remanso medo
que se prende também outras peças.
Largos silêncios que o ranger de abrir suspende
estremecer de linhos despertar de panos
desabrocha de rendas alvas na penumbra,
quem vos tocou tão escondidos brandos
e me ensinou a ter-vos?
SALTO ALTO
FOI TÃO DE AVE O MEU CHEGAR AQUI
Foi tão de ave o meu chegar aqui
que de ti a mim sem que soubesse
no que de ouvido espanto comovi
posei canto silêncio todo prece.
Pousei e levantei secreta chama
envolta no brasio de teu vinho
contra o crime do céu tu me derramas
silenciosa doçura no caminho.
Chamei por ti, tão solitária eu
sem que me dessem outros mais de mim
e dura espada na hora que bateu
em tua mão segura me acolhi.
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