quinta-feira, 29 de novembro de 2018

[0454] Goulart Nogueira, a voz da extremíssima direita


Florentino Goulart Nogueira nasceu em Belém do Pará (Brasil) em 1924 e faleceu em Lisboa em 2015. Veio para Portugal aos seis anos de idade. Aqui foi jornalista, encenador, crítico de teatro, editor, tradutor e poeta. Independentemente da sua posição de extrema-direita, assumiu a crítica ao salazarismo e mereceu a admiração de intelectuais oposicionistas, como Jorge de Sena


SÓ ATÉ O ALGARVE

Caminhemos com decência,
E não em passo de alarve:
Vamos com V. Exª.
Mas somente até o Algarve…

Há distâncias desmedidas;
Não fomos feitos p`ra elas…
Não estamos para corridas,
A querer caçar estrelas.

Terra-a-terra, e não pivetes
Temos muita previdência.
Deixemo-nos de foguetes:
Caminhemos com decência.

Há p`ra aí boca taurina
E há pernaltas! – Só p`ra mofa… –
Nós temos a boca fina,
A perna curtinha e fofa…

Não somos galgo novato,
Nem um cavalo que escarve.
Nosso passo é moderato
E não o passo do alarve.

Temos os foles cansados;
Pode faltar-nos o ar…
Encargos muito pesados
Não pudemos sustentar.

Florir nas terras maninhas
É contra a nossa potência.
Para vénias… palmadinhas…,
Vamos com V. Exª.

Dar um giro cá na quinta
- Até faz bem à saúde!
E pôr ovos que dão tinta
De um oiro que nos ajude…

Depois saem pintainhos,
Brasis fora desse alarde…
Somos muito jeitosinhos,
Mas somente até o Algarve.


ANIVERSÁRIO DE TIA HILDA

Abençoada minha tia Hilda
Que oitenta e oito anos faz agora!
A minha voz perante si se humilda
E o brilho meu ao pé do seu descora.

Que prodígio, meu Deus, anda, desanda,
Passinho velho e lépido e constante,
Formiga, abelha, fala, mexe, manda,
E sobe e desce e não descansa um instante

E vigia e ouve tudo e é um lufa-lufa;
Corrica, corre, corre, azanga, voa.
E sai e entra e reza e estende e bufa
E aia e geme e arranja e come e é proa.

Ai! terrífica tia! Não perdoa!
Com tais quezílias, é mazinha e é boa.
A minha tia que me dá boroa.

À escola me levava ao colo. E mimos
Me fez quando eu, inda pequeno estava
Órfão de Mãe, e escuso, e sem arrimos,
Fechado em mim, com noite adentro cava.

Rapariga-mulher… Me lembro, lembro.
No lábio superior um buço havia.
E ia à lareira, de Janeiro a D’zembro,
Passar ao lume as pernas à tosquia.

Casou. Dois filhos. O menino, um anjo,
Meu afilhado, lá morreu, o infante.
Ficou a filha que me dá um arranjo,
Que ao colo eu trouxe, terno, radiante.

O tempo corre. Nem por ele damos.
Uns vão, uns vêm. O afecto é o mesmo.
A tia é grande e já botou seus ramos:
Tem quatro netos, por ‘í fora, a esmo.

Guarda e refina o medo que atravanca
Mulher’s da nossa gente onde congregam.
A sete chaves fecha e trincos, tranca;
E o quarto e o chão. Cem mil ladrões não chegam!

Sem comentários:

Enviar um comentário