quarta-feira, 28 de novembro de 2018

[0452] Afonso Duarte, um saudosiste pré-modernista


De seu nome completo Joaquim Afonso Fernandes Duarte nasceu na Ereira em 1884 e faleceu em Coimbra em 1958. Professor, etnógrafo e poeta, dirigiu a revista “Rajada”.


NOITE DO ROUBO

A quem foram roubar os pobres trapos:
A mim, que sou humilde pobrezinho?
Olhem bem que o valor desses farrapos
Está em ter minha avó fiado o linho.

Ó rocas a fiar, contos de fadas!
Eu tinha-lhes amor e a simpatia
Que vem das saudades de algum dia,
Longe, das velhas noites seroadas.

Bragais de minha casa, e as roupas feitas
Por mãos de minha mãe, muito me assusta
Que os tomassem perversas mãos suspeitas.

Ah! mãos do furto, olhai, trazei-me à justa
Os meus linhos — suor dumas colheitas —
E amor dos meus que a mim muito me custa.


PAISAGEM ÚNICA

Olhas-me tu: e nos teus olhos vejo
Que eu sou apenas quem se vê: assim
Tu tanto me entregaste ao teu desejo
Que é nos teus olhos que eu me vejo a mim.

Em ti, que bem meu corpo se acomoda!
Ah! quanto amor por os teus olhos arde!
Contigo sou? — perco a paisagem toda...
Longe de ti? — sou como um dobre à tarde...

Adeuses aos casais dessas Marias
Em cuja graça o meu olhar flutua,
Tudo o que amei ao teu amor o entrego.

Choupos com ar de velhas Senhorias,
Castelo moiro donde nasce a Lua,
E apenas tu, a tudo o mais sou cego.


VITRAL

Franzina, é como um choupo à luz da Lua;
É a noite escura o seu olhar de mágoa.
Uma ogiva os seus braços quando amua,
Modelo foi dos cantarinhos de água.

Dizem os seios que a farão mãezinha;
Oh! Que linda menina casadoira!
São os seios da virgem donzelinha,
Dois novelos saltando à dobadoira.

Seus lábios, duas pétalas de rosa;
Abrem as rosas como a boca enlaça…
Em beijo a boca é uma flor ciosa.

Num lago a Lua: o seu andar embala;
São suas mãos às que eu imploro a graça,
Seu corpo esguio, uma ânfora com fala.

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