Mário-Henrique Baptista Leiria nasceu em Lisboa em 1921 e faleceu em Cascais em 1980. Poeta e escritor, foi aluno da Escola Superior de Belas Artes de onde foi expulso por motivos políticos em 1942. Integrou o movimento surrealista. Preso pela PIDE em 1962, exilou-se no Brasil (fundou aí a Editora Samambaia). Regressou a Portugal em 1970.
SINTOMA OU CAUSA?
versos «futuristas» explicando uma ideia ainda mais «futurista» que o Né teve
Espirrei.
O nariz
entupido achei
. Sintoma ou causa?
Não sei.
Só o Né
Me dirá
o que é.
E ele explica
Com ar doutoral:
«Afinal, meu rapaz Isso, p’ra mim,
Tanto faz.
Ouve com toda a atenção:
Abriste a janela,
Entrou ar.
É o sintoma
Duma constipação.
Dói te o fígado,
Os rins, o baço até
¡está se mesmo a ver
o que é!
É a causa,
a causa somente,
Duma biliosa
Forte
E valente.
E agora tens de concordar
Com a explicação
Que acabei de dar.
Pelo que acabo de dizer,
Sintoma ou causa ~
Iguais têm de ser»
E o Né saiu satisfeito
E mesmo
Com ar imponente
Por me dar
Explicação
Tão decente!
GIN SEM TÓNICA
Uma garrafa de gin
estava a preocupar
o pescador
a garoupa e o rodovalho
não tinham aparecido
pró jantar
que fazer?
telefonou ao ministro
da Pesca e do Trabalho
mas o ministro
estava a trabalhar
na cama
com a mulher
foi então
que a garrafa de gin
sugeriu discretamente
porque não
telefonar ao presidente?
telefonaram
o presidente da nação
estava em acção
na cama
com a mulher
nessa altura
até que enfim
encontraram a solução
o pescador
foi para a cama
com a garrafa de gin
LISBOA AINDA REVISITADA EM 70!
Um pouco de sopa
uma posta de garoupa.
Mais uma vez
os alegres cadáveres do costume
e outra vez...
olha o Simões... olha o Armindo
é lindo... é lindo
(por favor
dá-me aí o RATOFINDO)
sô barbeiro
olhe que esqueceu a «pedra nua»
A ponte sobre o Tejo
(viva mais uma ode genial)
Que tal? Que tal?
Quando a vir pela primeira vez
vou com certeza ter saudade
do tempo em que acreditava
que nunca teria que rever
um trambolho
com molho
português,
o molho ribeirinho habitual.
Olha, o melhor parece ser
um pouco mais de sopa
e — porque não? — outra posta de garoupa.
A FAMÍLIA
Vamos à pesca
disse o pai
para os três filhos
vamos à pesca do esturjão
nada melhor do que pescar
para conservar
a união familiar
a mãe deu-lhe razão
e preparou
sem mais detença
um bom farnel
sopa de couves com feijão
para ir também
à pescaria do esturjão
e a mãe e o pai
e os três filhos
foram à pesca
do esturjão
todos atentos
satisfeitíssimos
que bom pescar
o esturjão!
que bom comer
o belo farnel
sopa de couves com feijão!
e foi então
que apanharam um magnífico esturjão
que logo quiseram ali fritar
mas enganaram-se na fritada
e zás fritaram o velho pai
apetitoso
muito melhor
mais saboroso
do que o esturjão
vamos para casa
disse o esturjão.
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