Nasceu em Lisboa em 1928 e faleceu também em Lisboa em 1953 o poeta António Maria Lisboa. Com uma vida breve (25 anos), proporcionou uma autêntica revolução na literatura portuguesa, apesar dos ensaios em a esquecer ou silenciar até porque advogava a “insubmissão permanente ante os conceitos, regras e princípios estabelecidos”. Ligado ao movimento surrealista, abriu caminho ao abjeccionismo e é um dos autores do manifesto do surrealismo. A sua adesão às ideias de André Bréton deu-se aquando da sua passagem por Paris, onde esteve dois meses, e o levou a recusar o surrealismo enquanto “escola” para se definir a si mesmo de “metacientista”. Após a sua morte, familiares destruíram grande parte dos seus manuscritos por os considerarem ofensivos para a bafienta “ordem” mental então existente - um imperdoável e cabotino atentado à Literatura e à Cultura portuguesas.
VÍRGULA
Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.
A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.
Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.
E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.
Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida.
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como o frágil véu que nos separa vedados e proibidos.
RÊVE OUBLIÉ
Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti
Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna
Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo
Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada
Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro
E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.
CONJUGAÇÃO
Para o A. Cruzeiro Seixas
A construção dos poemas é uma vela aberta ao meio
e coberta de bolor
é a suspensão momentânea dum arrepio num dente
fino
Como Uma Agulha
A construção dos poemas
A CONS
TRU
ÇÃO DOS
POEMAS
é como matar muitas pulgas com unhas de oiro azul
é como amar formigas brancas obsessivamente junto
ao peito
olhar uma paisagem em frente e ver um abismo
ver o abismo e sentir uma pedrada nas costas
sentir a pedrada e imaginar-se sem pensar de repente
NUM TÚMULO EXAUSTIVO.
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