quarta-feira, 31 de outubro de 2018

[0351] Manuel Alegre, a voz da Liberdade

Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu em Águeda em 1936. Escritor, poeta e político, foi militante do PCP de 1957 a 1968 e actor do Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra. Director da Revista “Briosa”, foi mobilizado para a guerra colonial em Angola, sendo preso pela PIDE em Luanda em 1963, punido com residência fixa em Coimbra à qual fugiu em 1964, exilando-se em Paris, depois em Argel. Menbro da Direcção da Frente Pariótica de Libertação Nacional, foi locutor de “A Voz da Liberdade”, a emitir desde Argel, aderindo à Acção Socialista, embrião do PS. Regressou a Portugal após a revolução de Abril de 1974, sendo um dos fundadores dos Centros Populares 25 de Abril. Deputado constituinte (depois deputado nacional, durante 34 anos) e dirigente socialista, foi Secretário de Estado da Comunicação Social e Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro para os Assuntos Políticos, vice-presidente da Assembleia da República e candidato à Presidência da República em 2006. Fundou o Movimento de Intervenção e Cidadania e foi eleito membro do Conselho de Estado. Os seus primeiros livros de poesia foram apreendidos pela censura salazarista. Recebeu o Grande Prémio da Poesia da APE de 1998, o Prémio da Crítica da AP de Críticos Literários de 1998, o Prémio Pessoa de 1999, o Prémio D. Dinis de 2007, o Grande Prémio Vida Literária de 2016, o Prémio de Consagração de Carreira da Soc. Port. de Autores, de 2016 e o Prémio Camões de 2017.


COMO ULISSES TE BUSCO E DESESPERO

Como Ulisses te busco e desespero
como Ulisses confio e desconfio
e como para o mar se vai um rio
para ti vou. Só não me canta Homero.

Mas como Ulisses passo mil perigos
escuto a sereia e a custo me sustenho
e embora tenha tudo nada tenho
que em te não tendo tudo são castigos.

Só não me canta Homero. Mas como U-
lisses vou com meu canto como um barco
ouvindo o teu chamar -- Pátria Sereia
Penélope que não te rendes -- tu

que esperas a tecer um tempo ideia
que de novo o teu povo empunhe o arco
como Ulisses por ti nesta Odisseia.


TROVA DO VENTO QUE PASSA

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.


ABAIXO EL-REI SEBASTIÃO

É preciso enterrar el-rei Sebastião
é preciso dizer a toda a gente
que o Desejado já não pode vir.
É preciso quebrar na ideia e na canção
a guitarra fantástica e doente
que alguém trouxe de Alcácer Quibir.

Eu digo que está morto.
Deixai em paz el-rei Sebastião
deixai-o no desastre e na loucura.
Sem precisarmos de sair o porto
temos aqui à mão
a terra da aventura.

Vós que trazeis por dentro
de cada gesto
uma cansada humilhação
deixai falar na vossa voz a voz do vento
cantai em tom de grito e de protesto
matai dentro de vós el-rei Sebastião.

Quem vai tocar a rebate
os sinos de Portugal?
Poeta: é tempo de um punhal
por dentro da canção.
Que é preciso bater em quem nos bate
é preciso enterrar el-rei Sebastião.

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