terça-feira, 30 de outubro de 2018

[0347] Ana Maria Marques, a jovem poesia mineira

Ana Martins Marques nasceu em Belo Horizonte (Minas Gerais, Brasil) , em 1977. Professora e poeta, ganhou o Prémio Cidade de Belo Horizonte de 2007 e de 2008 e o Prémio Alphonsus de Guimarães de 2012.


DARDO 

Existe o corpo,
o eixo dos joelhos, as dobras,
a força teatral dos membros, o gosto acre,
o extremo silêncio,
as mão pendentes.
Existe o mundo,
as savanas e o iceberg,
as horas velozes, o falcão,
o crescimento secreto
das plantas, o repouso dos objetos
que envelhecem no uso, sem dor.
Existe o poema,
um dardo atirado a coisas mínimas,
à noite, às cicatrizes.
Um secreto amor os une,
as mãos na água, a memória do verão,
o poema ao sol.


TRADUÇÃO 

Este poema
em outra língua
seria outro poema

um relógio atrasado
que marca a hora certa
de algum outro lugar

uma criança que inventa
uma língua só para falar
com outra criança

uma casa de montanha
reconstruída sobre a praia
corroída pouco a pouco pela presença do mar

o importante é que
num determinado ponto
os poemas fiquem emparelhados

como em certos problemas de física
de velhos livros escolares


EM BRANCO 

Dizem que Cézanne
quando certa vez pintou um quadro
deixando inacabada parte de uma maçã
 pintou apenas a parte da maçã
que compreendia.

É por isso
meu amor
que eu dedico a você
este poema
em branco.


REGADOR

Num canto do jardim
onde alguém o esqueceu
pronto, ereto, o regador
aponta para o sol

embaraçadas por dentro
flores rápidas ou lentas
florem
findam

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