quinta-feira, 25 de outubro de 2018

[0327] Pedro Mexia, a jovem poesia portuguesa


De seu nome Pedro de Magalhães Mexia Bigotte Chorão, nasceu em Lisboa em 1972. Jornalista, escritor, poeta e crítico literário, formado em Direito. É consultor para a Cultura da Casa Civil do Presidente da República e vogal do Conselho Directivo da Fundação Centro Cultural de Belém 


LISBOA, CALÇADA DE S. FRANCISCO

Subindo pelas cinco horas a Calçada de S. Francisco,
em tarde de bruma e versos na Calçada de S. Francisco,
partindo do que não sei na Calçada de S. Francisco,
e sabendo onde não chego na Calçada de S. Francisco,
subindo na tarde deserta a Calçada de S. Francisco,
só eléctricos e pombas na Calçada de S. Francisco,
estranhando o que não estranho na Calçada de S. Francisco,
e pensando no que não penso na Calçada de S. Francisco,
subindo pelas cinco horas a Calçada de S. Francisco,
subindo e ninguém descendo a Calçada de S. Francisco,
sem eventos para as metáforas na Calçada de S. Francisco,
tiro do bolso a própria tarde.
Na Calçada de S. Francisco,
onde a realidade mudou e já nada acontece,
e já não é a Calçada de S. Francisco mas a Rua Ivens
ou outra rua do Chiado sem meditação ou moralidade.


PARÁFRASE

Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.
A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.
Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.


AUTO-RETRATO COM VERSOS DE CAMÕES

Foi-me tão cedo a luz do dia escura
enquanto me enganava a esperança
que naquilo em que pus tamanho amor
errei todo o discurso de meus anos.


HÁ NOMES QUE FICAM

Há nomes que ficam, sem préstimo, nas agendas,
transitam de ano para ano por inerência
ou desleixo, por vezes o nome próprio
é uma referência obscura, e nunca houve apelido.
Os números, em poucos anos,
passam de mnemónicas a criptogramas,
indicam sem dúvida que nos cruzámos
com gente que se cruza connosco,
que trocámos telefones como se
trocássemos alguma coisa,
mas tudo muda, os conhecidos
tornam-se amigos e depois desconhecidos.
Estes nomes, posso riscá-los
como se fosse velho e eles mortos,
mas os números, como uma praga,
acumulam-se, escritos
com tintas diferentes
e por vezes nas letras erradas.
Não posso desfazer-me das agendas
nem começar uma todos os anos,
mas já não sou o mesmo:
os números observaram as minhas idades
e talvez pudesse agora marcar este
que não me diz nada
e contar tudo
a alguém que não se lembra de mim.

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