domingo, 30 de setembro de 2018

[0225] Nuno Rebocho, viajante de mundos


Nuno Rebocho, viajante de mundos, nasceu “no ano da bomba atómica”: assim se explica para se explicar. Recusando cânones e paradigmas, preferiu dar sempre livre curso às inspirações de momento. Tem os seus preços e os seus custos.


BALADA PRÓXIMA DA DISTANTE BATALHA

1
esta é a guerra são as mandíbulas da tartaruga
sobre as águas dos suplícios. esta é a cena
as tenazes sofridas do tempo e da ciência.
este é o homem fuligem no périplo do esquecimento.
este é o ruído do silêncio deste tempo perante o tempo.
estas são as mãos das bagagens e as barragens.
estes são os filhos da tormenta os olhos da ausência
na terra queimada na dor lavrada
o bronze derretido que escorre na levada.

escutemos: os lobos chegam os corvos chegam
chegam as moscas e as larvas
chegam os roncos e as espingardas
os mucos da peste nos copos das espadas.
chegam os mísseis os alvos chegam
chagam os dorsos e os olhos chagam.
rosnam os uivos e as rochas rosnam
rasgam as casas e as carnes rasgam.
escutemos: que luz é esta? que noite é?

não dormem os rios nem dormem os mares
nem dormem os filhos destes teares.
drenam os sonhos por outros lugares
e as pústulas dançam e as feridas cansam.
se dissermos amanhã com os dentes de hoje
que luz é esta? que noite é?

2
roucos estamos entre os rochedos as valas sem segredos dos medos onde medram
os alambiques da vergonha e os tições que alumiam as atenções:
é tarde.
vamos com os dedos crestados das lições que desonram a memória quando os tecidos do tempo se esfiapam e as mãos doem
dos invernos consumidos: é
tarde. seguimos as rotas com as montanhas cercadas
de crepúsculos onde as caravanas
se perdem e se acham os rasgões. que luz é esta? que noite é?

3
não podemos dizer esperança
quando morre uma criança.

não podemos dizer vitória
quando enlutamos a história.

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