sábado, 8 de setembro de 2018

[0058] Guilherme José de Melo, poeta de Moçambique

Guilherme José de Melo nasceu na antiga Lourenço Marques em 1931 e faleceu em Lisboa em 2013. Jornalista, escritor e poeta, assumiu frontalmente a sua homossexualidade e divorciou-se da mulher com quem se tinha casado. A sua principal obra, "As Raízes do Ódio" (editado em 1965), foi apreendida pela PIDE. Apesar do seu anti-salazarismo, não se adaptou às condições resultantes da independência de Moçambique e transferiu-se para Portugal, onde viveu desde então. Como Reinaldo Ferreira, com quem colaborou, Guilherme José de Melo tem lugar destacado na literatura moçambicana de vertente portuguesa. Deixou publicado um único livro d poesia, "A Raiz da Pele", embora a sua obra como romancista e cronista seja extensa, tendo merecido em 1981 o Prémio Literário Círculo de Leitores.


BALADA PARA A VELHA ILHA

Horas mortas quando o luar passeia
As brancas tranças desfeitas pela areia
Há sombras do passado a deslizar
Por entre os muros, no cimo dos portais,
Nas rochas e nas pedras carcomidas,
Contando histórias velhas, já perdidas
Na distância e na bruma do não-mais.
Tinem ferros, há vozes e canções,
Soluços e murmúrios de orações
(Há quem afirme e teime que é o mar…)
Ao encontro dos passos de quem passa.

Ecos dispersos de um longínquo império,
Roçar de sadas nos salões desertos
Dos seculares palácios sem vivalma.
E dizem que de túmulos abertos
Surgem guerreiros, bispos e donzelas.

Que vão depois seguindo, à luz da lua,
Tacteando as paredes, rua em rua,
Até que a aurora venha e se debruce
Em rumores de menina, pelas janelas.

E dizem mais… e contam… e afirmam
(Bem sei que é lenda. É lenda e fantasia
- Mas que seria a vida sem o sonho
E que seria duma velha ilha
Sem o perfume, a estranha maravilha
Da lenda a envolvê-la de poesia?

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